Responsividade democrática comparada no Brasil e na Espanha
Resumo
O tema "Democracia e República: desafios governamentais e da esfera pública no séc. XXI" comporta investigações acerca do modo com que as eventuais mudanças institucionais aumentam a qualidade da democracia representativa no mundo (LIJPHART, 1999). Uma forma objetiva de aferição do êxito no enfrentamento desses desafios consiste no exame da responsividade democrática, ou seja, da variação do grau de correspondência de agendas entre públicos representados e representantes (SOROKA; WLEZIEN, 2010).
Os índices insatisfatórios de responsividade democrática evidenciam desconexão entre agendas de representados e representantes e sugerem assimetrias cognitivas e fricções institucionais que favorecem a menor qualidade da atividade estatal em geral e dos gastos públicos em particular. Ao revés, elevados índices dessa responsividade demonstram conhecimento recíproco de representantes e representados (SOROKA; WLEZIEN, 2010), o que reduz riscos de oportunismos predatórios da coisa pública e malversação de recursos e tende a aumentar a eficiência alocativa das ações estatais, inclusive desses gastos, do ponto de vista da sociedade representada. Como lembra Dalton (2008), a falta de correspondências amplas e sistemáticas entre agendas de cidadãos e elites políticas desqualifica o atributo democrático dos sistemas políticos.
A qualidade democrática da responsividade é apurada pela congruência das agendas governamentais com as da população ou, pelo menos, com as de públicos caracterizados como maiorias (LIJPHART, 1999). Essa qualidade da democracia representativa pode ser ampliada por alterações do sistema político que ampliem o número e a abrangência temática dos foros deliberativos (URBINATI, 2006). Tal ampliação exige aperfeiçoamentos dos processos políticos de representação exercida pelos Poderes, especialmente aqueles cujos representantes são eleitos, com especial destaque para as relações entre Poderes Legislativo e Executivo.
O mapeamento das instituições orçamentárias, isto é, de regras e regulações que orientam a preparação, a aprovação, a execução e o controle dos orçamentos públicos, instrumentos básicos do planejamento estatal, tem relação com os valores prestigiados pelos sistemas políticos (ALESINA; PEROTTI, 1996; WILDAVSKY, 1987).
O exame comparado dessas instituições subsidia a oferta de sugestões para a melhoria da qualidade democrática da representação política (PEDERIVA; RENNÓ, 2015), dado que os sistemas políticos e as suas reformas, inclusive no domínio orçamentários, lidam com a adequação do balanço entre objetivos ou valores sociais perseguidos e instituições formais (PITKIN, 1967).
O exame comparado da responsividade dos sistemas políticos brasileiro e espanhol, com destaque para as instituições orçamentárias, subsidia a análise e as sugestões de aperfeiçoamento da qualidade democrática do gasto público. Entre as inúmeras semelhanças macro institucionais dos dois países, estão as simetrias dos sistemas políticos democráticos federados e bicamerais, no plano nacional, enquanto algumas diferenças, como o presidencialismo de coalizão brasileiro e a monarquia parlamentar espanhola, são suavizadas por micro instituições, a exemplo das medidas provisórias e dos “decretos leyes” respectivamente.
Nesse sentido, a presente pesquisa examina de modo comparado indicadores reconhecidos de qualidade democrática, fiscal e de transparência orçamentária dos sistemas políticos – Freedom House, Gini e orçamento aberto (Open Budget Index), respectivamente – com as respectivas agendas populares, versadas em pesquisas de opinião – Latinobarômetro, no Brasil, e Eurobarômetro, na Espanha. Em linhas gerais, a pesquisa segue a metodologia de apuração da responsividade democrática, descrita por Pederiva e Rennó (2015), para verificar se os indicadores de responsividade democrática de ambos os países têm correspondência com os indicadores de transparência orçamentária e qualidade democrática.
Isso posto, os resultados do exame comparado das instituições e dos indicadores espanhóis e brasileiros são díspares. De um lado, os eventuais impasses de agenda, no caso espanhol, podem ser resolvidos de modo mais célere, pela dissolução dos corpos executivo e legislativo e pela constituição de novas maiorias, capazes de definir e executar agendas majoritárias, o que pressupõe exclusão das minorias. No Brasil, o custo das eventuais paralisias decisórias (“deadlocks”) decorrentes do presidencialismo de coalizão, com maior representação das minorias, não são imediatamente apreciados, pelo exame isolado de instrumentos de governabilidade, como a execução de emendas parlamentares (PEREIRA; MUELLER, 2002).
Contudo, tais custos aparecem, na forma da menor responsividade democrática brasileira, apesar dos melhores índices de transparência orçamentária. A situação em que as agendas populares têm menos correspondência com as agendas de gastos do que num contexto de menos informações orçamentárias disponíveis, sugere que tais informações são desigualmente apropriadas e utilizadas. Assim, a avaliação da responsividade democrática dos sistemas políticos parece um indicador mais bem alinhado com a efetiva qualidade das instituições políticas de representação, inclusive no âmbito da qualidade dos gastos e do planejamento e do controle governamentais do que a transparência orçamentária ou outros indicadores de qualidade democrática.
A ampliação dos espaços deliberativos recomenda ainda, a partir da comparação com a Espanha, que as reformas institucionais brasileiras se ocupem da constituição de um poder moderador, que separe a Chefia de estado da de governo, além de resgatar autonomia dos valores a serem perseguidos pelas comunidades objetivamente situadas temporal e espacialmente. Como expressão de vontades majoritárias, os orçamentos refletiriam situações em que os impasses decisórios seriam resolvidos pela dissolução das representações em conflito e pela constituição de novas maiorias, o que evitaria gastos controversos.
As melhores avaliações democráticas da qualidade do sistema político e da responsividade, na Espanha, não se repetem na transparência orçamentária, o que sugere diferentes formas de conceber e praticar democracia. A tradição majoritária espanhola parece mais avessa ao controle horizontal da administração pública, especialmente, no âmbito das instituições formais constituídas para tanto, e aparenta menor disposição dialógica no trato das contas públicas. Contudo, outras instituições compensam essas deficiências e o conjunto entrega ao cidadão um sistema político com gastos públicos de melhor qualidade democrática.
Desse modo, a institucionalização de mecanismos da apuração da responsividade democrática, à semelhança dos recomendados por Pederiva e Rennó (2015), surge como um dos conteúdos necessários nos avanços institucionais voltados para os atuais desafios do planejamento governamental e do controle da esfera pública. A adoção formal desse indicador permitiria avançar com mais celeridade, na pesquisa comparada da qualidade da representação, inclusive no âmbito das esferas político-administrativas subnacionais brasileiras, além das internacionais.