A fiscalização dos entes e os fundamentos do federalismo: perspectiva e crítica dos indicadores de avaliação

RENATO Luis Pinto Miranda, Anderson Henrique Araújo

Resumo


O Programa de Fiscalização de Entes Federativos surge como uma das iniciativas de aprimoramento dos instrumentos e processos de trabalho da Controladoria-Geral da União (CGU), a ser utilizado como método de controle na avaliação dos recursos públicos federais repassados a estados e municípios, a partir de uma “matriz de vulnerabilidade”.

Em se tratando de uma fiscalização da União sobre os entes subnacionais, a questão federativa permeia tanto os fundamentos legitimadores do programa quanto o objeto por ele avaliado. Desse modo, a presente investigação dedica-se a refletir sobre o seguinte questionamento: Como a “noção de federalismo” se manifesta na construção dos indicadores de avaliação do Programa de Fiscalização de Entes Federativos? O objetivo é, portanto, investigar a presença das relações intergovernamentais na composição dos indicadores utilizados na fiscalização dos municípios brasileiros. Tal anseio desdobra-se em outros três, quais sejam: estudar as principais construções voltadas à percepção da dinâmica federativa; identificar o conteúdo federativo presente em cada um dos indicadores elencado; e analisar criticamente a correlação entre os mesmos.

O estudo parte de pressupostos como: o atual momento de recentralização federativa vivido pelo país, impulsionado teoricamente pelo avanço da New Institutional Economics; e a subordinação dos estudos federativos aos referenciais analíticos da Economia do Setor Público, prejudicando a efetiva apreensão deste fenômeno.

Enquanto método, foi realizada uma análise documental do programa, avaliando-se, seguidamente, cada um dos seus indicadores em face do referencial utilizado, identificando-se as possíveis correlações dos dados secundários colhidos com os fundamentos do federalismo.

 

A ausência de um referencial próprio ao federalismo

Em elaboração de um balanço crítico sobre a abordagem do federalismo pelas teorias hegemônicas da economia do setor público, Affonso (2003, p. 236) constatou que aquelas componentes do mainstream da área “não são capazes de apreender o fenômeno”. Após passar pelos três grandes momentos destas teorias hegemônicas, quais sejam: 1) o da Welfare Economics; 2) o da Public Choice Theory e; 3) o da New Institutional Economics, o autor constata o quão insuficientes se mostram tais correntes em face da magnitude e da complexidade histórica da dinâmica federativa, posto reduzirem a percepção do objeto a uma dimensão mercantil e individualista, sem considerar a multiplicidade dos seus determinantes como característica intrínseca à sua particularidade concreta (AFFONSO, 2000; FIORI, 1995).

 

A recentralização federativa

A partir da crise do Welfare State nos países centrais, em meados da década de 1970, a Public Choice Theory assume proeminência, enquanto corrente teórica de abordagem da dinâmica federativa, no sentido de refrear a ampliação e a, alegada, ineficiência do poder central, preconizando a competição entre as distintas esferas governamentais, como forma de assegurar a otimização operativa das políticas públicas (DYE, 1990; HARMES, 2007; LYNCH, 2004; OLIVEIRA, 2007).     

A New Institutional Economics, advinda para superar a fragilidade institucional dos Estados, ocorrente nas décadas de 1980 e 1990, embora mantenha consigo a noção de que a competição interjurisdicional traz ganhos de eficiência para o setor público, adverte estarem tais benefícios condicionados à constituição de um arranjo institucional apropriado, capaz de manter a “concorrência”, entre os governos subnacionais, dentro dos parâmetros de uma “competição saudável”. Assim, a New Institutional Economics reage, criticamente, à “canonização” da competição federativa, enquanto postulado, invariavelmente, promotor da eficiência no setor público (AFFONSO, 2003; WORLD BANK, 2000). Instaura-se, nesse contexto, um processo de redefinição das relações intergovernamentais a partir do qual o governo central figura como articulador, regulador e avalista dos arranjos institucionais (OLIVEIRA, 2007; REZENDE et al., 2007).

 

Análises

 

Dimensões

Indicadores

Controle

Quantidade de dias desde a última ação de controle

Denúncias recebidas pela CGU

Tomada de Contas Especial (TCE) Analisada pela CGU e encaminhada ao TCU

Alternância de gestão

Transparência

LC 131/2009 – Transparência Ativa

Declaração de Contas Anuais

Desenvolvimento Econômico-Social

IDHM

Beneficiários do Bolsa Família

Evolução do índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb

Produção da Atenção Básica

Materialidade

PAC

Transferências de Recursos

´                      

Verificou-se serem os indicadores diretamente atrelados a políticas empreendidas pela União, pautadas em arcabouços normativos como a LRF, a Lei de Acesso à Informação, PSF e as metas de educação, demosntrando resultados da avaliação mostram-se fortemente influenciados por outras metas já estipuladas pela União.

Quanto ao volume de recursos do PAC, deve-se considerar o impacto de fatores político-estratégicos nos estados – p. ex.: comparando-se Alagoas e a Pernambuco -, pois nada impede que determinado município, embora contemplado com menor recebimento de recursos, encontre-se com as contas em situação financeira mais delicada.

A não indicação do tipo de transferências, por seu turno, desconsidera o problema do capital intelectual deficitário para a atração de transferências “voluntárias”, pois, como a atração desse tipo de recursos frequentemente demanda a elaboração de projetos técnicos sofisticados, o contingente populacional e o avanço da educação influenciam o viés desse indicador.

De um modo geral, os indicadores elencados podem ser considerados um avanço quando comparados à estrita utilização da metodologia de sorteio público, influenciada pela probabilidade estatística. Por outro lado, apesar da sua relevância, os parâmetros negligenciam a relação e interdependência entre os entes avaliados.

Outra questão verificada foi a ausência de descrição das ponderações das variáveis. A imprecisão na metodologia utilizada na construção dos indicadores oculta possíveis determinantes – p.ex.: a dependência financeira de algumas cidade em relação às auditorias.

 

Considerações finais

O atual processo de recentralização vem implicando na exclusão da noção de federalismo na construção dos indicadores de avaliação dos entes subnacionais. Como um programa de ação que oculta os seus próprios determinantes, a influência e impacto das relações intergovernamentais vem sendo negligenciada no processo de avaliação das políticas públicas subnacionais, movimento aprofundado pela própria ausência de referenciais teóricos próprios ao estudo do federalismo. 

Apresentação
Última alteração
27/09/2015