PARTICIPAÇÃO SOCIODIGITAL E DESENVOLVIMENTO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Mauricio Suhett Spinola, Ricardo Wahrendorff Caldas

Resumo


O presente artigo pretende contribuir para a reflexão acerda da relação entre participação política sóciodigital, aquela realizada através da mediação das TICs, e desenvolvimento. Apresentam-se os principais resultados de pesquisa de doutorado com os seguintes objetivos:

•           Investigar o potencial democratizante das TICs pela análise da dinâmica da participação sóciodigital na Câmara dos Deputados quanto à efetividade, inclusão e efeitos de socialização sobre os participantes. A participação popular na Câmara dos Deputados acontece através dos canais digitais de interação com a sociedade, disponibilizados pela Casa Legislativa.

•           Analisar a relação entre financiamento empresarial de campanhas eleitorais e o comportamento dos deputados federais, expresso pelos seus votos nominais, durante a 54a legislatura (2011-2014) e a atual legislatura em curso, a 55a, para o período de fevereiro a julho de 2015.

•           Investigar potenciais correlações entre a dinâmica da participação sóciodigital, o comportamento dos parlamentares e o financiamento empresarial de suas campanhas, principalmente em relação à responsividade do corpo político para com os interesses dos cidadãos e dos doadores de campanha.

•           Verificar as implicações da dinâmica da participação sóciodigital na Câmara dos Deputados para o desenvolvimento como ampliação das oportunidades (escolhas) substantivas de influenciar o processo político (formação de agenda e decisão política).

As duas perguntas centrais que a pesquisa procurou responder são:

1.         Existem evidências sobre a efetividade da participação sóciodigital na Câmara dos Deputados em termos da capacidade dos cidadãos de influenciar a formação da agenda e as decisões do corpo político?

2.         Existem evidências de que a participação sóciodigital na Câmara dos Deputados está resultando numa percepção, por parte dos participantes, de que estão mais influentes em relação às decisões que governam suas vidas?

 

1               INTRODUÇÃO

 

Os temas do desenvolvimento, das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e da participação política, e a relação entre eles, constitui objeto de investigação da presente pesquisa. Cada um dos temas em separado tem sido alvo de estudos pelas mais diversas disciplinas, entre elas a economia, sociologia, antropologia e ciência política.

Desenvolvimento, entretanto, é um conceito em disputa. Os muitos sentidos do termo vão desde crescimento econômico até ganhos em felicidade. Para a Economia do Desenvolvimento (Development Economics), por exemplo, desenvolver significa essencialmente promover o incremento da riqueza econômica de um país ou região, expresso por taxas positivas de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita.

Somente em anos mais recentes as pesquisas sobre desenvolvimento começaram a analisar de forma mais séria e sistemática os processos de desenvolvimento como processos, ao mesmo tempo, econômicos e político-culturais.

Com relação às novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), as pesquisas produzidas nas últimas duas décadas no Brasil restringem, em geral, seus esforços na investigação de possíveis relações causais entre o acesso e uso de tais tecnologias e seu potencial impacto em termos de ganhos de produtividade para setores específicos da economia brasileira, ou em termos da ampliação do acesso a tecnologias comunicativas como a Internet, o que costuma-se chamar de “inclusão digital”.

No campo da ciência política, a questão do desenvolvimento aparece indiretamente nos estudos sobre avaliação de políticas públicas, que buscam identificar potenciais impactos da implementação e execução de uma política sobre certos indicadores sociais.

A presente pesquisa se distancia de concepções do desenvolvimento com viés estritamente econômico, optando pelas contribuições de um conjunto de autores, especialmente Amartya Sen e Martha Nussbaum, que propuseram uma redefinição do desenvolvimento como um processo de ampliação das escolhas ou liberdades substantivas dos indivíduos (Sen, 1999; Nussbaum, 2011). Esta corrente teórica ficou conhecida como a abordagem do Desenvolvimento Humano.

A pesquisa também pretende contribuir de forma original para o campo dos estudos sobre o desenvolvimento ao tentar compreendê-lo à luz das recentes iniciativas de Democracia Digital. Busca-se entender a dinâmica da participação política mediada pelas TICs e as eventuais implicações para o desenvolvimento como ampliação das escolhas ou oportunidades de influenciar as decisões políticas.

Citando Kelsen (1949, p. 284), Adam Przeworski lembra-nos que “Politicamente livre é quem está sujeito a uma ordem legal de cuja criação participou” (Przeworski, 2010, p. 109).  Ainda segundo Przeworski, os sistemas legais diferem não apenas sobre os resultados que geram, mas também sobre o que permitem a indivíduos alcançar por suas próprias ações; diferem no quanto permitem escolhas individuais. “As leis moldam o que Sen (1988) chama de “conjuntos de capacidades”, definido como um agrupamento de “funcionamentos” que uma pessoa pode alcançar por suas próprias ações. Uma vez que os conjuntos de capacidades incluem a habilidade de exercer escolhas, não são exauridos pelo consumo de comodities ou entretenimento” (Przeworski, 2010, p. 150).

A democracia tem sido, de forma recorrente, confrontada por quatro desafios que continuam, ainda hoje, alimentando intensa insatisfação nos cidadãos: (1) a incapacidade de gerar igualdade na esfera econômica, (2) a incapacidade de fazer com que as pessoas sintam que sua participação política é efetiva, (3) a incapacidade de garantir que os governos façam o que supostamente devem fazer e não o que não tem mandato para realizar, e (4) a incapacidade de equilibrar ordem e não-interferência (Przeworski, 2010).

Com o advento e a disseminação das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), especialmente a Internet e a comunicação móvel, surgem expectativas sobre o potencial de democratização dessas tecnologias para superar os desafios colocados, particularmente a necessidade de uma participação política mais efetiva por parte dos cidadãos, para a preservação e fortalecimento dos princípios do autogoverno, autodeterminação e soberania popular.

Considerando, ainda, a atual crise que as instituições da democracia representativa vêm experimentando, com desgastes contínuos em termos de legitimidade perante os cidadãos em função do distanciamento cada vez maior entre representantes e representados, estudar iniciativas de participação sóciodigital e seu potencial de ampliação das oportunidades (escolhas) de influenciar as decisões políticas, viabilizando uma apropriação social do poder político (Rosanvallon, 2011), reveste a presente pesquisa de importância e oportunidade.


Apresentação
Última alteração
02/09/2015