Metodologia de diagnóstico socioterritorial da assistência social na cidade de São Paulo

VIVIANE CANECCHIO FERREIRINHO, CAROLINA TEIXEIRA NAKAGAWA, RAFAEL DA CUNHA CARA LOPES

Resumo


Uma metrópole como São Paulo carrega no bojo de seu território todas as contradições historicamente construídas e cotidianamente reafirmadas. Neste cenário, a assistência social tem o papel de proteger a vida - prevenindo agravos, promovendo a redução de danos, defendendo os direitos civis (proteção social especial) -, promover a sociabilidade - garantindo acesso ao conjunto de ofertas de ampliação da autoestima, da autonomia, do protagonismo - e garantir acesso aos benefícios eventuais ou de renda – continuados, condicionados, eventuais. Para incluir, proteger e defender, temos que aprofundar nossos conhecimentos e nossos olhares.

Partindo desses princípios, a vigilância socioassistencial deve dar visibilidade às vozes dos territórios, ampliando a capacidade de argumentação e participação dos trabalhadores, instituições e usuários na execução da política. Isso implica identificar, nos diversos territórios, traços das situações de vulnerabilidade e risco que incidem sobre famílias e indivíduos, dos eventos de violação de direito, e dos tipos, volumes e padrões de qualidade dos serviços ofertados pela rede socioassistencial, ampliar as capacidades de avaliação e dar transparência à execução.

Caracterizada como uma das funções da política de assistência social (Lei nº 12.435, de 2011. NOB/SUAS, 2012), a vigilância deve ser realizada por intermédio da produção, sistematização, análise e disseminação de informações territorializadas. Fornecendo informações estruturadas, contribui para que as equipes dos serviços socioassistenciais avaliem sua própria atuação, ampliem seus conhecimentos sobre as características da população e do território de forma a melhor atender às necessidades e demandas existentes. Deve subsidiar o planejamento e a execução das ações de busca ativa que assegurem a oferta de serviços e benefícios às famílias e indivíduos mais vulneráveis, superando a atuação pautada exclusivamente em uma demanda espontânea ou na percepção subjetiva da demanda aparente.

Na cidade de São Paulo essa função é executada sob a coordenação da Coordenadoria do Observatório de Políticas Sociais (COPS) da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS). Nas subprefeituras da cidade existem Supervisões Regionais de Assistência Social (SAS) que possuem em sua equipe o setor denominado Observatório Local. Estes são responsáveis pela coleta, correção, suporte e sistematização das informações das ofertas e pela difusão das informações produzidas. Realizam estudos para implantação, reordenamento e gestão de serviços, pautando a tomada de decisão das SAS e fomentando a articulação das ações dos Governos Locais.

A cidade possui em seus 96 distritos diversas configurações da vulnerabilidade e risco sociais. A reprodução da desigualdade dá-se em todas as regiões e localidades, em maior ou menor proporção. A identificação desses traços de segregação deve superar a dialética de “centro-rico” e “periferia-pobre”, compreendendo as paisagens urbanas marcadas por essas realidades em sua forma explícita (favelas, cortiços, ocupações, etc.) e na forma oculta (isolamento e abandono de idosos, vítimas de violência doméstica, etc.).

Uma das principais ações da COPS consiste na elaboração de diagnósticos que auxiliem as ações de proteção social e, especialmente, o aprofundamento do conhecimento sobre os territórios de abrangência dos equipamentos que coordenam a política de Assistência Social, adequando a oferta de serviços às demandas. Para cumprir com este princípio foi elaborado em parceria com técnicos das 31 regiões, o diagnóstico socioterritorial denominado “Vazios Socioassistenciais”.

Na tentativa de padronizar as análises e experiências tão diversificadas nos territórios, foi apresentada uma metodologia que pudesse fornecer estratégias e ferramentas comuns para realização do trabalho. Um roteiro foi apresentado em reuniões aos técnicos e o primeiro passo, indicado neste roteiro, foi o resgate de um documento elaborado pela equipe gestora de cada SAS, no início de 2014, como um exercício de planejamento estratégico, em que foram indicados alguns territórios em sua área de abrangência necessitados de intervenção integral da assistência. A sugestão era aprofundar a análise territorial e a caracterização de uma dessas áreas identificadas pelas equipes como prioritárias. A escolha de um território para aprofundamento não significa que este seja o único território vulnerável e nem o tipo de vulnerabilidade escolhida como a maior ou mais incidente. Mostra, simplesmente, a eleição de um ponto de partida para um exercício de compreensão abrangente da realidade do ponto de vista de um grupo de trabalhadores sociais.

A construção deste diagnóstico visou o levantamento do maior número possível de dados secundários ela COPS para uma análise interpretativa das diversas realidades sociais encontradas e ações da gestão municipal. Considerando a necessidade de qualificação das análises com informações qualitativas, numa metrópole como São Paulo, foi necessário identificar e selecionar os indicadores sociais de risco e vulnerabilidade disponíveis nos diversos institutos e fundações (IBGE, SEADE, etc.), bem como dos sistemas de extração de dados públicos (DataSUS e TABNET). Especial atenção foi dada ao cruzamento da demanda e das ofertas de serviços, benefícios, programas e projetos oferecidos pela rede socioassistencial, como exercício para a compreensão da capacidade de atendimento da rede instalada.

À análise dos dados quantitativos acrescentaram-se as dos territórios merecedores de atenção especial da assistência social, identificados pelos técnicos responsáveis pela gestão e execução da política nas várias áreas. As contribuições e o alcance possível dessas informações para elaboração da política de assistência social, especialmente das informações sobre as famílias cadastradas no CadÚnico tiveram destaque.  Conheceu-se, ainda, as limitações dos dados secundários e estatísticos quando confrontados com as realidades sociais que sofrem alterações em ritmos distintos à capacidade de produção de dados quantitativos. De maneira geral, o produto é um conjunto heterogêneo de vulnerabilidades, riscos, territórios e análises que qualificam o mapa da política de assistência social da cidade.

Essa metodologia de elaboração participativa de diagnóstico possibilitou reunir um rico acervo de informações qualitativas, com fotografias e mapas, que juntos revelam uma cidade marcada por “pedaços” de vulnerabilidade e risco em todos os territórios, uma variedade de suas formas constituintes, assim como de condições de exclusão e segregação. Além disso, foi um importante processo de formação e qualificação dos profissionais envolvidos. O equilíbrio entre dados quantitativos e a observação de pesquisa de campo deve ser um dos princípios norteadores da vigilância socioassistencial, aproximando os técnicos às realidades às quais precisam dar voz.


Apresentação
Última alteração
03/11/2015