Agendas governamentais em perspectiva comparada: a dinâmica das políticas públicas
Resumo
Autores:
Ana Cláudia Niedhardt Capella - Docente do Departamento de Administração Pública da Unesp - Araraquara, colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFSCar.
Felipe Gonçalves Brasil - Doutorando do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Bolsista FAPESP.
Os primeiros estudos que levaram em consideração a importância da análise da agenda governamental para a compreensão do processo de produção de políticas datam do início dos anos 1970. Autores como Cobb e Elder (1971) analisaram os processos pelos quais alguns temas passam a concentrar a atenção da sociedade e dos tomadores de decisão. Os autores buscaram investigar elementos que explicassem a estruturação de uma agenda de debates dentro de uma comunidade, ou seja, os temas e problemas considerados centrais, procurando compreender como uma agenda é construída e quem participa desse processo. Assim, os autores conduziram os primeiros estudos sistemáticos sobre a formação da agenda governamental no campo da ciência política. (Cobb e Elder 1972).
Outra contribuição importante para a o estudo da formação da agenda foi desenvolvida por Downs (1972) que defende a existência de um ciclo de atenção responsável por influenciar o comportamento do público em relação aos problemas e, consequentemente, sobre a agenda. A percepção dos problemas, para Downs, é cíclica, iniciando-se em uma fase de (a) "pré-problema", na qual uma condição social existente ainda não chama a atenção do público; depois passando a (b) um momento de “descoberta e entusiasmo”, na qual o público se torna consciente de uma questão e alarmado com suas consequências; seguindo para um momento de (c) percepção sobre as dificuldades e os custos envolvidos na resolução do problema; até que (d) o interesse do público sobre a questão começa a declinar gradualmente; e finalmente, (e) saída do problema do centro das preocupações do público, seja por meio da substituição do problema por outro ou seu deslocamento para fora do debate público, onde recebe um nível muito menor de atenção.
Os estudos sobre o processo de produção de políticas, desenvolvidos em meados dos anos 1980 e 1990 nos Estados Unidos, deram novo fôlego às investigações sobre a agenda. Esses estudos mudaram o foco das investigações da agenda sistêmica (as questões e problemas que despertam a atenção do público) para a agenda governamental (questões e problemas que ocupam os formuladores de políticas). O modelo de Múltiplos Fluxos, de John Kingdon (1984), não apenas avança em termos teóricos propondo a diferenciação entre os conceitos de agenda governamental e agenda decisória, como também propõe, de forma inovadora, um modelo explicativo organizado em torno de fluxos que convergem em determinadas circunstâncias e que seriam responsáveis pelas mudanças na agenda. Outro modelo teórico que busca explicar o processo de formação da agenda foi proposto por Baumgartner e Jones (1993). Por meio do modelo de Equilíbrio Pontuado, os autores demonstram que há períodos de estabilidade na agenda, marcados pela lógica incremental, bem como momentos que favorecem mudanças rápidas e inesperadas. Buscando entender ambos os processos, os autores avançaram no desenvolvimento teórico propondo a investigação do processo de priorização dos problemas pelos formuladores de políticas, ou seja, a forma como atenção é dirigida a alguns assuntos específicos na agenda (Jones e Baumgartner, 2005) e, mais recentemente, o estudo do processo de definição dos problemas, responsável pela movimentação dos temas pela agenda, considerando o papel da informação (Baumgartner e Jones, 2015).
Partindo desse breve histórico de desenvolvimento da literatura sobre agenda, fica claro que os estudos têm sido desenvolvidos, em grande parte, no contexto dos Estados Unidos. Uma questão relevante consiste no questionamento sobre a aplicabilidade desse referencial em diferentes contextos políticos, administrativos e societários. Nesse sentido, caberia questionar se os modelos teóricos de agenda seriam ferramentas de análise capazes de explicar mudanças nas agendas de diferentes países. Buscando avançar nessa direção, Baumgartner e Jones (2002) propõem o conceito de “dinâmica de políticas públicas” (policy dynamics). A noção de “dinâmica de políticas públicas” foi formulada para aplicação em estudos comparativos, buscando identificar as mudanças na atenção governamental – ou seja, movimentações na agenda – em torno de diferentes políticas públicas, durante longos períodos de tempo, e em diferentes sistemas políticos. Na última década, diversos estudos têm sido desenvolvidos em diferentes países com base nesse conceito, reunidos numa rede internacional de pesquisa denominada “Comparative Agendas Project” (CAP). Atualmente, a rede conta com mais de quinze países, entre os quais o Brasil (desde 2015). Esses estudos buscam investigar as agendas governamentais em perspectiva comparada, contribuindo para uma nova etapa nos estudos sobre o processo de formação da agenda governamental.
A presente proposta tem como objetivo apresentar e discutir essa nova etapa nos estudos sobre agenda governamental, apontando as tendências contemporâneas de pesquisa na área e os esforços de elaboração teórico-metodológicos para o desenvolvimento de estudos comparados voltados à investigação da agenda. Nosso ponto de partida será a experiência do “Laboratório de Agenda Governamental”, iniciativa que pretende monitorar e analisar o ingresso e saída de temas na agenda governamental do governo federal brasileiro e que se insere nesse esforço internacional de pesquisa comparativa.
Referências:
BAUMGARTNER, Frank R; JONES, Bryan D. Agendas and Instability in American Politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993.
_______________. The Politics of Attention: How government priorizes problems. Chicago: University of Chicago Press, 2005.
_______________. The Politics of Information: problem definition and the course of public policy in America. Chicago: University of Chicago Press, 2015.
BAUMGARTNER, Frank R; JONES, Bryan D. (eds.). Policy Dynamics. Chicago: University of Chicago Press, 2002.
COBB, Roger W. e ELDER, Charles D., "The Politics of Agenda-Building: An Alternative Perspective for Modern Democratic Theory", Journal of Politics, vol. 33, nº 4, 1971 (pp. 892-915).
DOWNS, Anthony. “Up and Down with Ecology-the Issue-Attention Cycle”. Public Interest, 28 (1972), p.38.
KINGDON, John. Agendas, Alternatives and Public Policies. 3a. Ed. New York: Harper Collins, [1984] 2003.