O monitoramento participativo de políticas públicas: a experiência de São Paulo
Resumo
A consolidação da democracia no Brasil, nas últimas décadas, tem sido marcada pela ampliação de instâncias e mecanismos participativos - como conselhos, conferências e orçamentos participativos. Há, contudo, um conjunto de limitações ao potencial democratizante destas iniciativas, como a falta de transparência dos governos, a baixa centralidade dessas estratégias na rotina governamental e a pouca incidência das esferas participativas sobre a implementação das políticas públicas.
A eleição do Prefeito Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo despertou expectativas em relação a um projeto de ampliação da participação na cidade, especialmente em relação ao Orçamento Participativo – OP. Isso porque o histórico dessa experiência no Brasil remete aos governos de esquerda em âmbito local, especialmente do Partido dos Trabalhadores – PT, sendo o caso paradigmático o OP de Porto Alegre (GENRO e SOUZA, 2001). Em São Paulo, entretanto, a implementação do OP foi bastante limitada nas duas gestões anteriores do PT e, embora a gestão da então prefeita Marta Suplicy tenha adotado modelo semelhante ao de Porto Alegre, a iniciativa foi marginalizada na agenda de prioridades do governo (AVRITIZER, 2008).
Como resposta a essas expectativas, em 2013, a Prefeitura desenvolveu o Ciclo Participativo de Planejamento e Orçamento, cuja criação remete à elaboração do “Programa de Metas (2013-2016): versão participativa” (SÃO PAULO, 2013), resultante de um amplo processo de discussão, por meio de 35 audiências públicas (PAULANI, TEIXEIRA e MARCONDES, 2014). Uma das inovações da versão final foi a definição de uma meta específica para a implementação do Ciclo Participativo.
Em 2014, foi criado o Conselho Participativo de Orçamento e Planejamento – CPOP, que se tornou a espinha dorsal do Ciclo, cuja estrutura é de um fórum ampliado de discussão, com capilaridade suficiente para descentralizar suas discussões (MARCONDES e CANATO, 2015), o que decorre de sua composição plural, agregando conselhos temáticos e territoriais de toda a cidade. O CPOP é composto por 106 titulares, sendo 13 do poder público, 64 representantes de conselhos territoriais (Conselhos Participativos Municipais) e 27 de conselhos e segmentos temáticos. Ao Conselho foi conferida a missão de formular, mobilizar e avaliar a execução de uma proposta de participação no planejamento orçamentário da cidade, o que se formatou através de uma combinação de atividades de formação, prestação de contas nos territórios, definições e acompanhamento de projetos prioritários. A principal ênfase é dada, contudo, na definição de projetos prioritários para o ciclo orçamentário e no monitoramento participativo dos mesmos, sendo que esta ação é efetuada pela Comissão de Monitoramento do CPOP, em diálogo com as secretarias.
Apesar dos avanços recentes na literatura de implementação (HILL, 2006; MAJONE e WILDAVSKY, 1973; FARIA, 2012; RUA, s/d), essa fase do ciclo de políticas públicas é, frequentemente, negligenciada, conferindo-se maior centralidade ao processo decisório. A implementação seria uma mera adaptação do programa formulado para a política às situações concretas. Essa compreensão, contudo, não representa a complexidade dessa etapa (SUBIRATS et al, 2012), além de invisibilizar o conjunto de decisões tomadas nesse momento.
Em relação à participação, isso gera uma assimetria informacional entre participantes, permitindo inclusive a manipulação da sociedade civil (SOUZA, 2001). Assim, por prever um espaço de compartilhamento de informações e articulações ligadas à implementação, e conferir a ele prioridade na metodologia participativa, a investigação sobre a experiência do monitoramento participativo de São Paulo contribui para adensar a discussão teórica sobre a implementação e sua interface com a participação.
Nesse contexto, o objetivo desse artigo é investigar, por meio de técnicas qualitativas de estudo de caso, as potencialidades e limites do monitoramento participativo para a implementação do Ciclo Participativo de Planejamento e também para dar concretude à participação social em São Paulo.
A hipótese é que a estratégia de monitoramento é um dos elementos facilitadores da participação, especialmente nos territórios, além de antecipar conflitos e identificar caminhos para as suas resoluções. O seu maior limitador é a falta de convergência plena entre as prioridades do Ciclo e as prioridades definidas pelo governo.
O enquadramento teórico-metodológico é conferido pela literatura de participação social e de análise de políticas públicas, com ênfase na produção teórica sobre implementação e monitoramento. O estudo de caso sobre o Ciclo lança mão das técnicas de pesquisa documentais, por meio da análise de atas de reuniões do CPOP e outros documentos de referência, além de entrevistas semi-estruturadas com conselheiros(as) da Comissão de Monitoramento e representantes governamentais. Nesse último caso, para a definição da amostra de entrevistas, optou-se por investigar, em profundidade, o tema da saúde, área mais demandada no processo de definição de projetos prioritário do Ciclo de 2014.