Background familiar, desigualdade regional e o desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)

Bianca Drielly Mendes, Ana Paula Karruz

Resumo


A perpetuação da desigualdade educacional é um problema social de interesse para políticas públicas educacionais em geral, assim como para aquelas voltadas à mitigação ou correção de desigualdades históricas (e.g., lei federal n. 12.711, de 29 de agosto de 2012, a “Lei das Cotas”, que trata da reserva de vagas em instituições federais de ensino superior e técnico). Este estudo oferece um importante diagnóstico para a formulação de políticas dessas naturezas, ao apontar o efeito de uma condição estrutural, algo que o indivíduo não pode alterar – i.e., o efeito do background familiar – sobre o desempenho educacional e, em última instância, sobre o acesso ao ensino superior.

Segundo Alves e Soares (2007) e Soares (2005), a grande disparidade de desempenho educacional na população brasileira está associada à baixa qualidade do sistema de ensino e ao alto nível de desigualdade socioeconômica das famílias. Para Melo e Arakawa (2012), além das condições dos serviços educacionais e do background familiar (escolaridade dos pais e renda familiar), outros fatores influenciam os resultados educacionais dos filhos, como o mercado de trabalho e os meios da comunidade onde residem. Esses autores concluem pela existência de uma conexão entre escolaridade dos pais e renda familiar, de um lado, e a nota dos filhos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), de outro; essa relação mostrou-se mais evidente nas regiões menos desenvolvidas, indicando que as diferenças regionais também devem ser levadas em conta no que diz respeito à persistência intergeracional educacional.

Especificamente, este trabalho objetiva analisar a relação entre o background familiar e o desempenho dos filhos no ENEM para as cinco macrorregiões brasileiras. Dialoga com Melo e Arakawa (2012) e o complementa, já que tais autores trabalharam com dados de 2008, antes das mudanças nas provas implementadas em 2009, capturadas nos dados de 2012 aqui empregados. Como embasamento teórico, apoia-se em distintos estudos sobre a função de produção da educação e determinantes do desempenho escolar (e.g., BARROS et al., 2001; TODD, WOLPIN, 2003; MENEZES-FILHO, 2007; NASCIMENTO, 2007, 2012; HANUSHEK, 2008) e empresta noções do modelo de capital humano (e.g., LONG, 2007). São calculados modelos de mínimos quadrados ordinários com erros robustos à heteroscedasticidade para estimar a relação entre o background familiar e a nota no ENEM.

A variável dependente é a nota média na prova objetiva do ENEM 2012 (média simples das notas obtidas nas quatro provas de múltipla escolha: Português, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza; desconsidera a redação), sendo a unidade de análise o indivíduo (i). As variáveis explicativas foram agrupadas nos vetores Mi, Pi, Ri e Ci. Mi descreve a escolaridade da mãe, e Pi a do pai. Em ambos os casos, a categoria de referência (omitida) retrata mães e pais que não obtiveram qualquer educação formal. Já o vetor Ri reporta a renda familiar mensal total. A categoria de referência consiste de famílias que não obtêm qualquer renda. Ci traz uma série de variáveis de controle.

Os resultados indicam que quanto maior a escolaridade dos pais (mãe ou pai) e a faixa de renda familiar, maior será o desempenho dos indivíduos no ENEM, ceteris paribus. Ademais, constata-se que a influência da escolaridade dos pais é relativamente mais elevada quando estes possuem o ensino médio completo, mas não se graduaram no ensino superior. Nota-se, também, um efeito marginal decrescente em relação às faixas de renda, sendo este um aspecto que contribui para que a persistência intergeracional de educação no Brasil não se aprofunde. Testes Chow apontam que as equações populacionais são estruturalmente diferentes entre as macrorregiões. Os controles concernentes a frequência à rede particular de ensino são aqueles que parecem ter o impacto mais expressivo sobre o desempenho no ENEM. Em suma, a escolaridade dos pais e a região de moradia aparentam ter um efeito no desempenho no ENEM independente das dimensões já considerada na “Lei das Cotas”, quais sejam, rede de ensino, renda familiar e etnia, sugerindo a necessidade de se expandir o debate sobre medidas para a equalização das oportunidades educacionais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALVES, Maria Teresa Gonzaga; SOARES, José Francisco. As pesquisas sobre o efeito das escolas: contribuições metodológicas para a Sociologia da Educação. Sociedade e Estado, Brasília, v. 22, n. 2, p. 435-473, maio/ago. 2007.

BARROS, Ricardo Paes de, et al. Determinantes do desempenho educacional no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 31, n. 834, p. 1-33, out. 2001.

HANUSHEK, Eric. Education production functions. In: DURLAUF, Steven N., BLUME, Lawrence E. (Org.) The New Palgrave Dictionary of Economics, Second Edition. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008.

LONG, Bridget Terry. The contributions of Economics to the study of college access and success. In: Teachers College Record, Columbia University, vol. 109, n. 10, p. 2367-2443, out. 2007.

MELO, Luzia Maria Cavalcante de; ARAKAWA, Victor Haselmann. Existe desigualdade regional na relação entre background familiar e desempenho escolar dos filhos? Evidências para as grandes regiões do Brasil. In: XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2012, Águas de Lindoia - SP, p. 1-19, nov. 2012.

MENEZES-FILHO, Naercio. Os determinantes do desempenho escolar no Brasil. 2007. Disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/biblioteca/1091/os-determinantes-do-desempenho-escolar-do-brasil/

NASCIMENTO, Paulo A. Meyer M. Fatores associados ao desempenho escolar: resultados de um modelo multinível de valor adicionado. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 23, n. 51, p. 16-39, jan./abr. 2012.

NASCIMENTO, Paulo A. Meyer M. Recursos destinados à educação e desempenho escolar: uma revisão na literatura internacional. Estudos em Avaliação Educacional, v. 18, n. 36, p. 115-138, jan./abr. 2007.

SOARES, José Francisco. Qualidade e equidade na educação básica brasileira: fatos e possibilidades. In: SCHWARTZMAN, S.; BROCK, C. (Org.). Os desafios da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, p. 87-114, 2005.

TODD, Petra E.; WOLPIN, Kenneth I. On the specification and estimation of the production function for cognitive achievement. The Economic Journal. Blackwell Publishing for the Royal Economic Society, vol. 113, n. 485, p. F3-F33, fev. 2003.

 


Apresentação
Última alteração
16/09/2015