Administração Pública Brasileira: entre o ideal (euro-americano) e real (tupiniquim)

Elinaldo Leal Santos, Weslei Piau Santana, Fabrício Soares Batista, Ana Rocha Viana

Resumo


Diversas práticas políticas e administrativas, como corrupção, concessão cruzada de cargos, favoritismo na esfera pública, facilitações em processo licitatório, direcionamento de emendas parlamentares, entre outros, normalmente são vistas na mídia isoladamente, sem que se conheça a causa, o sistema, o funcionamento e o alcance dessas práticas. A visão isolada desse processo gera falhas nas análises conjunturais, erros de predição, propostas de mudanças mal formuladas que podem desorientar a ação do Estado. A Administração, na condição de campo disciplinar, tenta, de alguma forma, explicar esse fenômeno, sempre amparada por modelos teóricos, que se incorporam à cultura política de cada época, como nas ideias de Max Weber, com as formulações dos tipos ideais de dominação e formação do poder, como no pensamento funcionalista de Talcott Parsons, responsável por uma parcela significativa da configuração do Estado no Brasil e recentemente, no viés neoliberal que norteou as últimas reformas estruturais, porém, nem sempre com grande êxito. Alguns autores (PINHO e SACRAMENTO, 2001; COSTA, 2008; SECCHI, 2009) defendem que a administração pública brasileira vivenciou, desde a sua formação, três  grandes modelos de gestão: o patrimonialista, o burocrático e o gerencialista. O patrimonialismo é uma marca na formação do Brasil Colônia, transportado para o Brasil Império e que ainda sobrevive no Estado Republicano. O burocrático é um ícone do Estado Novo que adentrou na Nova República.  O gerencialismo se apresenta como alternativa ao modelo burocrático e é introduzido no Estado brasileiro no início dos anos 1990, por meio da política neoliberal (ABRUCIO e LOUREIRO, 2002). Contudo, para além desses formatos institucionais, cabe acrescentar o modelo de gestão societal que emergiu no contexto brasileiro, por força da iniciativa popular, na década de 1980, no período da redemocratização do País  e da elaboração da Constituinte (PAES DE PAULA, 2005).      No decorrer desse ciclo, constatou-se que tais modelos não foram capazes de eliminar os resquícios do comportamento patrimonialista das organizações brasileiras. É perceptível que cada modelo torna-se predominante sem romper completamente as bases existentes anteriormente, criando uma espécie de path dependece na construção do Estado. No caso do Estado brasileiro, introduziu-se a burocracia sem vencer o patrimonialismo, incorporou-se o gerencialismo sem ter implementado uma burocracia real, num Estado que continuava convivendo com as práticas patrimonialistas e clientelistas. Diante disso, pretende-se, nesse ensaio, refletir sobre a seguinte questão: por que existem, ainda hoje, resquícios de antigos comportamentos administrativos na estrutura da administração pública brasileira? Para refletir sobre essa questão, retomam-se os trabalhos de Riggs (1964), Ramos (1967; 1983; 1989), Weber (1999), Fraser (2002), Paes de Paula (2005), e Zwick et al (2012), com a finalidade de detectar algumas pistas teóricas que nos ajudem a explicar tal fenômeno. Após a delimitação do tema do ensaio, a primeira seção descreve o processo histórico da formação e administração do Estado brasileiro. Faz-se uma reflexão sobre o modo como os quatro modelos de gestão (patrimonialista, burocrático, gerencial e societal) foram configurados e as implicações desses formatos institucionais no contexto socioeconômico. A segunda seção faz uma análise do comportamento e da  ação administrativa do Estado brasileiro, de modo a entender o fenômeno da administração pública hibridizada, denominada por Zwick et al de administração pública tupiniquim.  A terceira seção argumenta que a administração pública hibridizada é um fenômeno social, predominante nas sociedades em desenvolvimento, resultante, praticamente, de quatro conceitos teóricos - racionalidade, formalismo, modernidade, bem-estar – interpretados de forma equivocada pelo pensamento hegemônico euro-americano de gestão. Por fim, busca-se formular uma síntese das questões abordadas, sinalizando para algumas manifestações do hibridismo na administração pública, sem a pretensão de ser um estudo completo e acabado, mas uma reflexão sobre ação do Estado, sujeito a críticas, reformulações e complementações.

 

 


Apresentação
Última alteração
15/09/2015