Um Análise de Construtos teóricos sobre participação e Gestão Social
Resumo
A gênese do conceito de gestão social é produto da necessidade de se estabelecer novos referenciais para a administração pública, pautados pela definição coletiva de fins e meios e pela interseção de valores, saberes e visões de mundo. Em função das limitações da razão instrumental e da gestão estratégica nessa seara, alternativas foram buscadas na vertente teórico-crítica da Escola de Frankfurt, que surgiu na década de 1930, na Alemanha. Como advoga Tenório (1998), a teoria crítica tem a sociedade como objeto de estudo, partindo da premissa de que ela é anterior aos sujeitos. Assim, o pensamento individual é condicionado por fatores históricos e econômicos. Nesse sentido, construtos teóricos não podem ser desprovidos de valores em uma sociedade na qual os indivíduos não são autônomos. Nesse contexto, subjaz significativa negligência em relação à nobreza dos fins. Jürgen Habermas, filósofo da segunda geração da Escola de Frankfurt, alinha-se a tais ideias, defendendo que o mundo da vida, estruturante da razão humana, é submetido à racionalidade instrumental por meio de ações estratégicas. Contrapondo-se a ela, Habermas sugere um referencial que instaura a razão a partir do consenso, alcançado por ações sociais comunicativas (voltadas para o entendimento) e não estratégicas (voltadas para o êxito). Sua intenção, como destaca Tenório (1998), é propor uma teoria capaz de livrar o homem dos dogmatismos e de contribuir para sua emancipação. O pensador alemão pretende, ainda, evidenciar os problemas gerados pela racionalização da sociedade por meio do conceito de ação social. Para tanto, ele organiza uma tipologia que abarca as ações teleológica, estratégica e comunicativa, entre outras. Na ação teleológica, a racionalidade de meios é projetada por alguém para o alcance de objetivos. Contudo, ela será estratégica quando a decisão ou o comportamento individual forem afetados pelo cálculo da relação meio-fim. Desse modo, como esclarece Tenório (1998), em ações estratégicas, os atores interagem percebendo-se como alavancas ou obstáculos para o êxito de seus propósitos. Alternativamente, em ações comunicativas, duas ou mais pessoas procuram chegar à razão, ou seja, ao entendimento sobre um determinado objetivo. Partindo das noções de ação estratégica e ação comunicativa, Tenório (1998) apresenta as definições de gestão estratégica e gestão social. A primeira expressa um tipo de ação social utilitarista, fundada no cálculo de meios e fins, e viabilizada pela interação de indivíduos na qual um tem autoridade formal sobre os demais. De outro modo, a gestão social busca substituir o gerenciamento monológico por práticas participativas, nas quais o processo decisório é partilhado por diferentes sujeitos. A racionalidade comunicativa orienta a gestão social, na qual os agentes não podem impor suas pretensões sem que haja um acordo firmado discursivamente. O protagonismo das partes, bem como a importância da linguagem para a gestão social podem compreendidos pela discussão de um de seus fundamentos: a cidadania deliberativa. O conceito de cidadania deliberativa, abordado por Tenório (1998; 2005), requer a análise das noções de cidadania liberal e de cidadania republicana. Na vertente liberal, o processo democrático visa à orientação do Estado segundo os interesses da sociedade. A política busca agregar e vocalizar demandas ao Estado. Na via republicana, a política representa o meio pelo qual os cidadãos percebem a dependência recíproca e, de forma consciente, empreendem relações de conhecimento mútuo, traduzindo-as em interações de portadores de direitos, livres e iguais. Entre tais alternativas, Habermas (1995) propõe uma terceira: uma concepção de cidadania fundamentada na racionalidade comunicativa. Assim, no âmbito da cidadania deliberativa, a razão deverá emergir de rotinas de argumentação pública. Como esclarece Tenório (2005), a cidadania deliberativa insere-se no debate entre liberais e republicanos, sendo que os primeiros priorizam a liberdade individual e os outros enfatizam o bem comunitário. Buscando evidenciar o que há de melhor nas duas concepções, o caminho deliberativo elege como prioridade os consensos válidos, garantidos por pressupostos comunicativos. Como observa Tenório (2005), o exercício da cidadania deliberativa requer a existência de espaços sociais para a comunicação de conteúdos e para o reconhecimento de opiniões. Trata-se das esferas públicas. O autor também incorpora ao conceito de gestão social a noção de participação, que deve ser assegurada (embora continuamente afirmada) e exercida de modo voluntário e consciente. A noção de cidadania deliberativa traz em seu contexto princípios que devem ser detalhados de forma particular. Nesse sentido, reconhecer a relevância da cidadania deliberativa é considerar que a legitimidade das decisões políticas não emerge, de modo simplista, da vontade da maioria (estimável pelo voto) e, sim, de processos de discussão, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade, da autonomia e do bem comum (Tenório, 2005). Destarte, o presente artigo procura responder a seguinte questão-problema: De que forma alguns construtos teóricos sobre participação contemplam os princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade, da autonomia e do bem comum, fontes de legitimidade da deliberação pública e premissas da cidadania deliberativa? Fazendo uso de um método de pesquisa bibliográfica serão analisados os construtos sobre participação de Nogueira (2005; 1998); Arnstein (1969); Bordenave (1992) e Pretty (1995). Pretende-se com este trabalho contribuir para o fortalecimento do debate conceitual sobre gestão social, correlacionando-a com diferentes construtos sobre participação.