Discutindo paradigmas contra-hegemônicos de avaliação de políticas públicas
Resumo
Esta Sessão Livre propõe refletir paradigmas emergentes e contra-hegemônicos no campo da avaliação de políticas públicas. O objetivo é problematizar novos enfoques de avaliação para a compreensão de realidades culturais, sociais e políticas heterogêneas. Contextualmente, na última década do século passado, sobretudo, no Brasil, nos rumos da Reforma de Estado, a agenda governamental impôs a avaliação como elemento constitutivo da gestão pública, nos contornos dos critérios de eficiência administrativa propostos pela agenda neoliberal. Nesse período, também, a avaliação de políticas públicas tornou-se exigência de organismos internacionais, como o Banco Mundial, que passaram a condicionar empréstimos, notadamente na área social, a indicadores de resultados, a serem produzidos por avaliações sistemáticas de políticas e programas governamentais. Essa agenda política circunscreve-se um modelo de avaliação de programas, projetos e políticas, sobretudo governamentais, baseados em critérios pré-definidos de eficiência, eficácia e efetividade dos mesmos. Quase sempre reduzidas à dimensão econômica, essas avaliações têm por intuito demonstrar o sucesso ou fracasso das políticas a partir da construção de indicadores, notadamente estatísticos, que revelam a otimização da relação custo-benefício, previamente calculada, em relação ao investimento realizado na execução de programas, projetos e políticas. Trata-se, antes, de imputar um modelo de avaliação de cunho técnico-formal, entendido como um modelo único e universal de avaliação, que traz em si uma proposição epistemológica funcional e positiva, desconsiderando os sujeitos sociais, envolvidos nas políticas, bem como os contextos sócio-políticos e culturais nacionais, regionais e locais onde essas políticas realizam-se, e as contradições neles inerentes. Contudo, esse modelo não dá conta de tratar das contradições do Estado considerando suas possibilidades de construir marcos emancipatórios, de cunho democrático, rumo à universalização de direitos, entre critérios e igualdade e equidade, que se impõem a partir dos movimentos da sociedade civil. É que tal modelo circunscreve uma forma de avaliar associada a um campo político de afirmação um Estado regulatório, regido dentro das regras de liberalização do mercado, em que as políticas e programas de corte social devam estar circunscritas e, como decorrência disso, devam ser avaliadas. Para dar conta das contradições do Estado Contemporâneo, e suas expressões nas políticas públicas, entendemos que há a necessidade de construção de outro parâmetro de avaliação que vá além de definições operacionais conduzidas por modelos avaliativos pré-concebidos e que se distancie da agenda política e do modelo técnico- formal de avaliação. Faz-se necessário ampliar o horizonte político, analítico e metodológico da avaliação de políticas públicas, o que proporemos a seguir. Nesse intuito, no contexto de emergência de sociedade civil e da necessidade de se criar novos mecanismos de controle social, impõem-se perguntas: para que avaliar? Como avaliar? Avaliar, para quem? Estas perguntas colocam em questão os pressupostos agenda neoliberal e seus modelos avaliativos, e, remetendo a contradições do próprio Estado, nos encaminham para outra pergunta: qual, enfim, o sentido de avaliar políticas públicas no atual contexto político brasileiro? Neste contexto, esta Sessão Livre propõe apresentar e refletir, numa perspectiva multidisciplinar e multidimensional, acerca de perspectivas teóricas e metodológicas que se contrapõem a modelos hegemônicos de avaliação de políticas públicas nos marcos de regulatórios do Estado e do mercado.
Para fomentar a discussão, serão apresentados dois trabalhos norteadores da Sessão proposta, aos quais podem ser somados outros trabalhos: (i) O primeiro trabalho, “Culturas avaliativas entre modelos hegemónicos e emergentes”, problematiza a afirmação de culturas avaliativas, considerando suas heterogeneidades advindas de diferentes continentes, países e regiões, em um contexto mundial no qual concepções e práticas de avaliação de políticas públicas assentam-se sobre a hegemonia de modelos de avaliação, orientados pela cultura avaliativa anglo-saxã e europeia. Como contraponto, trata-se de refletir esse modelo hegemônico em contraposição a quatro dimensões emergentes, a saber: 1) uma dimensão territorial, com a afirmação do campo da avaliação latino-americano e, dentre esse, especialmente, o brasileiro; 2) uma dimensão institucional, com a constituição de novas institucionalidades no campo da avaliação, entre o Governo e a sociedade civil; 3) uma dimensão epistemológica a partir de paradigmas hermenêuticos e compreensivos de avaliação, que contemplam a participação de distintos atores sociais; e, finalmente, (4) uma dimensão política que sustenta a avaliação de políticas públicas voltada para cidadania e a equidade.
(ii) O segundo trabalho, “A Economia Política da Avaliação”, assume-se que a avaliação de políticas públicas pode e deve ser compreendida a partir de condicionantes e constructos teóricos que extrapolam objetivos meramente regulatórios e administrativos. Ao avançar nessa direção, pode-se configurá-la como um ethos epistemológico mais estruturado e crítico, alargando suas bases conceituais e objetivas. Neste sentido, pretende-se aprofundar a seguinte questão-norteadora: quais são os eixos analíticos que permitiriam construir uma economia política da avaliação em contraposição ao seu corrente uso econômico e gerencial?