Dispositivos de cooperação intermunicipal no Vale do Ribeira Paulista: ação pública via instrumentos

Julianne Alves Naporano Archipavas

Resumo


Desde 1980, já existiam no Brasil dispositivos de intermunicipalidade: os consórcios intermunicipais de desenvolvimento, erigidos a partir da iniciativa dos próprios municípios (BRUYCKER, 2000, apud CALDAS e MOREIRA, 2013). Já as políticas de desenvolvimento territorial são mais recentes, sua discussão iniciou-se nos anos 1990 e sua aplicação deu-se a partir dos anos 2000. Este trabalho tem como objetivo estudar duas experiências que se inserem nestes dois diferentes contextos, o Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira (Codivar) e o Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local do Vale do Ribeira (Consad Vale do Ribeira).

 

O reconhecimento da contradição existente entre abrigar a riqueza da Mata Atlântica e ser a região mais pobre do Estado de São Paulo motivou os prefeitos do Vale do Ribeira Paulista a associarem-se por meio do Codivar, em 1989. O consórcio foi estabelecido com o objetivo de construir uma nova realidade para a região, por meio de um dispositivo institucional que possibilitasse levar demandas regionais para as esferas de governo estadual e federal.

Já o Consad foi constituído em 2004 como um arranjo territorial institucionalmente formalizado entre os municípios. Trata-se de um conselho do Governo Federal, instituído no âmbito do Programa Fome Zero do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O seu objetivo é a articulação dos municípios em busca de parcerias, recursos e investimentos para apoiar e executar projetos voltados à segurança alimentar e nutricional e ao combate à pobreza, promovendo desenvolvimento local.

Embora atuem sobre um mesmo território físico e partilhem de um objetivo fundamental – a busca pelo desenvolvimento territorial via cooperação intermunicipal - os espaços de tomada de decisão do Codivar e do Consad não se articulam para a construção de um território unificado em termos de ação pública. Dessa maneira, busca-se compreender quais as tensões e complementaridades geradas a partir das coalizões representadas por estes dispositivos, bem como de que maneira os diferentes instrumentos erigidos no seu interior alimentam esse embate.

Dentre as principais razões apontadas para a ausência de cooperação estão: a) a falta de coordenação entre os diferentes níveis de governo que compõem os dispositivos; b) os conflitos de interesses entre poder público e sociedade civil; c) a atuação de coalizões políticas conflitantes no interior dos dispositivos; d) a maneira como o contexto, a origem e trajetória condicionaram sua formação.   

Do ponto de vista teórico este trabalho parte da análise de instrumentos de políticas públicas. A principal contribuição da análise das políticas públicas por via dos instrumentos é ‘identificar e pôr em evidência os instrumentos como espaços de construção das políticas, de veiculação de significados e de materialização dos interesses e representações dos atores (...)’ (FIGUEIREDO, 2012, p. 35).

Sob a ótica da abordagem cognitiva, há reconhecimento da importância de elementos de conhecimento, ideias, representações e crenças na dinâmica da ação pública. A partir desta abordagem, os instrumentos de políticas públicas são compreendidos como ideias institucionalizadas (FOUILLEUX, 2011), ou seja, a compreensão da ação pública depende da análise de ideias que são produzidas e defendidas pelos atores e que se institucionalizam na forma de instrumentos.

“Uma abordagem fundada em ideias supõe evidentemente que seja centrada nos atores” (FOUILLEUX, 2011, p. 91). Ou seja, para compreender a trajetória de uma ideia até que esta se concretize, institucionalizando-se em um instrumento de política pública, deve-se entender como essas ideias são encarnadas, defendidas pelos atores atuantes nas coalizões.

A Figura 1 a seguir representa o recorte analítico deste trabalho:

Figura 1. Recorte analítico: a produção de ideias pelos atores e sua materialização da forma de instrumentos de política pública.

   

 

 

 

 


Fonte: elaboração própria

As teorias cognitivas podem contribuir para a compreensão da maneira como coalizões se formam e legitimam as escolhas políticas. O esquema teórico escolhido para este trabalho foi o modelo de coalizão de defesa (Advocacy Coalition – ACF, proposto por Sabatier e Jenkins-Smith, em meados de 1980).  

O modelo prevê que agentes interessados buscam traduzir componentes dos seus sistemas de crenças em política antes que seus oponentes façam o mesmo (SABATIER e WIEBLE, 2007). Neste modelo existem três noções centrais: os sistemas de crenças, as coalizões de causa e os policy brokers.

No caso do Codivar e do Consad, identifica-se a ausência da figura do broker, ou seja, não existe um agente com papel de intermediador político que reduza a intensidade de conflitos entre as coalizões e que permita a construção de diálogo e cooperação entre as coalizões representadas pelos dois dispositivos.

O entendimento das relações entre os elementos da ação pública (no sentido do ‘pentágono de políticas públicas’ proposto por Lascoumes e Galès, 2012)  ‘atores’, enquanto produtores de ideias e representantes de sentidos e interesses, e ‘instituições’, que são aqui considerados como a materialização das ideias na forma de instrumentos de políticas públicas, bem como o entendimento de como tais ideias são criadas e defendidas por diferentes coalizões, permitem identificar os conflitos e cooperações entre dispositivos.

REFERÊNCIAS

CALDAS, Eduardo de Lima; MOREIRA, Ivaldo. Políticas de desenvolvimento territorial e intermunicipalidade no Brasil: complementaridades e tensões. Sustentabilidade em Debate. Brasília, v. 4, n. 2, p. 41-61, jul/dez 2013.

FIGUEIREDO, Alexandra. A ação pública e os seus instrumentos: um olhar que convida para outras reflexões sobre a governança europeia. DEBATER A EUROPA. Periódico do CIEDA e do CEIS20, em parceria com GPE e a RCE. N.7 Julho/Dezembro 2012 – Semestral. ISSN 1647-6336. Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/

FOUILLEUX, Eve. Analisar a mudança: políticas públicas e debates num sistema em diferentes níveis de governança. Estudos sociedade e agricultura, v. 2, 2011.

LASCOUMES, Pierre; LE GALÈS, Patrick. Sociologia da Ação Pública. Tradução de Sociologie de l’action publique. Tradução e estudo introdutório George Sarmento. Maceió: Sociologie de l’action publique. EDUFAL, 2012. 

SABATIER, P. AND WEIBLE, C. The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In: Sabatier, P. (org.). Theories of the policy process. Cambridge: Westview. 2007

 

 


Apresentação
Última alteração
16/09/2015