Formulação de políticas públicas para os bens comuns financeiros: da política de microcrédito às finanças solidárias no Brasil

Leonardo Prates Leal, Ariádne Scalfoni Rigo

Resumo


ST10. Esferas públicas não governamentais

 

A finalidade deste trabalho é explorar a perspectiva dos bens comuns como um marco para formulação de políticas públicas associada a governança dos recursos financeiros da sociedade, em geral, e das microfinanças, em particular. Busca-se demostrar a singularidade dos sistemas de finanças solidárias auto-organizados, com base em Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs) em relação ao contexto das políticas de microcrédito no Brasil.

No Brasil, a partir da década de 1990, as políticas de microcrédito, envolvendo uma diversidade de organismos públicos e privados, nacionais e internacionais, têm enfatizado o chamado microcrédito produtivo e orientado voltado aos micro e pequenos empreendimentos, formais e informais, como forma de superação da pobreza. O primeiro passo do governo foi ‘bancarizar’ as camadas mais baixas da população brasileira e passar a conceder crédito não apenas para produção, mas também para o consumo.

As iniciativas do Banco do Povo, Programa de Microcrédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco Popular do Brasil, Caixa Aqui, Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), Programa CrediAmigo do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e o CRESCER - Programa Nacional de Microcrédito (inserido nas ações do Programa Brasil Sem Miséria), foram fundamentais para a expansão das políticas públicas de acesso ao microcrédito (BARONE e SADER, 2008). Os bancos públicos nacionais e regionais concentraram grande parte do esforço de operação das políticas de microcrédito, as organizações da sociedade civil, cooperativas financeiras e outros modelos de microcrédito, tiveram tímida participação nesse processo.

No entanto, apesar dos avanços, muitas insuficiências em torno das políticas de microcrédito no Brasil persistem. De acordo com Braga (2011), analisando os resultados do PNMPO, chega-se a presente década com uma taxa de penetração do microcrédito de pouco mais 8% para um público de quase 9 milhões de pessoas (trabalhadores por conta própria) e, se levado em consideração a exclusão financeira, segundo o IPEA (2011), 39,5% da população encontra-se excluída do sistema financeiro.

Diante disso, o intuito é refletir sobre as potencialidades e desafios dos BCDs enquanto modalidade de organização socioeconômica inovadora na gestão e oferta de microcrédito, além de outros serviços financeiros, junto a populações mais empobrecidas.

Os BCDs constituem uma prática que tem por finalidade o suporte às economias de territórios empobrecidos, na tentativa de apoiar iniciativas individuais e coletivas de trabalho e renda, além do consumo local. Tal prática utiliza-se de uma série de instrumentos financeiros e não-financeiros para gerar renda no território, entre eles, microcrédito solidário, moeda social, educação financeira, correspondência bancária, apoio à comercialização, além de outros serviços financeiros como o microsseguro.

O fundamento teórico dos bens comuns em Ostrom (2000), sustenta que em determinadas condições indivíduos podem se apropriar de um recurso de forma cooperada, em condições que ocorram: comunicação entre os usuários que utilizam um recurso; regras de uso entre usuários que estão próximos e utilizam o mesmo recurso; e oportunidade para os usuários discutirem e estabelecerem acordos sobre seus próprios níveis de utilização e seus próprios sistemas de penalidades.

Assim, Ostrom (2000) demonstra que os indivíduos envolvidos com a utilização de um recurso são capazes de se auto-organizar e de criar iniciativas de cooperação para solucionar problemas de escassez. É assim que para a autora distintas comunidades têm confiado em instituições que não se parecem nem com o Estado e nem com o mercado, para regular alguns sistemas de recursos com níveis razoáveis de êxito, durante longos períodos.

Na direção do economicismo, as teorias convencionais para formulação de políticas públicas, supõe que quando os indivíduos enfrentam um dilema, devido às externalidades criadas pela ação de outros, eles realizam apenas cálculos estreitos e de curto prazo, os quais levarão todos a se prejudicar e aos demais a não encontrar maneiras de cooperar para superar o problema.

Observa-se um conjunto de estudos e políticas que recomendam que o Estado controle a maioria dos recursos, enquanto outros, que a privatização resolva os problemas de acesso ou sobre-exploração. Entretanto, o que se observa no mundo real é que nem o Estado e nem o mercado têm conseguido êxito em manter um uso produtivo e equitativo dos recursos por parte dos indivíduos.

Para o alcance desse objetivo, buscou-se realizar um levantamento da literatura existente acerca do tema, procedendo um exercício teórico com base na gestão coletiva dos bens comuns de Ostrom (2000). Em seguida, realizou-se um estudo exploratório do panorama geral dos BCDs no contexto brasileiro e em seguida, foi empreendido um survey com 26 dos 35 BCDs no Nordeste brasileiro.

O intuito não é apresentar resultados conclusivos, porém, ampliar o entendimento sobre o tema e apontar suas possibilidades e desafios. Os resultados encontrados sugerem que os Bancos Comunitários contribuem para a superação do acesso precário a serviços financeiros e bancários, bem como evidenciam que comunidades vivendo nessas condições podem se auto-organizar e criar iniciativas de cooperação, atuando por longos períodos, realizando a gestão dos recursos e solucionando problemas de acesso aos serviços financeiros.

Apresentação
Última alteração
16/09/2015