A Assistência na Previdência Social: da lógica dual ao desafio da intersetorialidade e gestão social do Benefício de Prestação Continuada para a Pessoa com Deficiência
Resumo
O sistema de Proteção Social brasileiro é algo em construção, tardio historicamente, frente às urgências das necessidades sociais e de serviços não contributivos, e neófito do ponto de vista da implementação das políticas públicas de proteção e de cuidados aos cidadãos (ARAÚJO, 2013). A Política de Assistência Social compõe o tripé da seguridade social, junto com as políticas de Saúde e Previdência Social. A primeira tem caráter não-contributivo sem a necessidade de prévia colaboração, oferta e dá acesso a benefícios e serviços sociais, mesmo sabendo que existe uma colaboração, por meio de impostos, para o financiamento deste modelo. A garantia da saúde, destarte todas as críticas existentes, é preconizada no texto constitucional e vem sendo executada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), universal e de abrangência nacional, que convive com o setor privado, com oferta de seguros (individuais e coletivos) e serviços lucrativos. A política de previdência social, de caráter contributivo, pressupondo o foco no seguro social, de contribuição tripartite (Estado, patrão e empregado), para aqueles que podem exercer suas capacidades para o trabalho e a produção do capital (ARAÚJO et. all, 2014).
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi o primeiro instrumento de política social não-contributiva no Brasil, implementado a partir da Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), Lei 8.742/93, que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição Federal. Busca combater às desigualdades e garantir a proteção aos cidadãos com deficiência e idosos acima de 65 anos com renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo garantindo transferência mensal de um salário mínimo para estes cidadãos.
Desde a sua implementação em 1993, o BPC vem sendo gerido e financiado pela Assistência Social, atualmente sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), criado em 2004, dentro da lógica da política não-contributiva. Porém, é operacionalizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), órgão vinculado ao Ministério da Previdência Social, que executa políticas contributivas.
O Decreto nº 1.744/1995, no artigo 43 estabelece que, “compete ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS expedir as instruções e instituir formulários e modelos de documentos necessários à operacionalização do benefício de prestação continuada” (BRASIL, 1995). Regulamenta-se assim, todo o instrumental indispensável para a execução do benefício no âmbito previdenciário, para a efetivação exitosa no que tange a sua operacionalização.
As duas principais justificativas para esta dualidade entre concepção/gestão e operacionalização do instrumento de política social são: a grande capilaridade do órgão que se encontrava presente em grande parte dos municípios brasileiros, no momento da sua implementação; a experiência acumulada com a organização e o controle dos benefícios previdenciários que o INSS possuía (MACIEL, 2008).
Nesta imbricação, entre assistência e previdência social, que abarca o BPC, devemos considerar que se trata do envolvimento de duas políticas teoricamente antagônicas em termos de princípios, as quais neste plexo devem coadunar para um propósito comum: a garantia do direito social. Neste sentido, surge a necessidade de debater a intersetorialidade necessária ao BPC de modo que este seja de fato uma ação inclusiva frente às desigualdades sociais.
O objetivo deste trabalho é empreender uma análise do modus operandi da lógica de gestão pela Assistência Social e operacionalização pela Previdência Social, trazendo seus principais desafios. Neste paper são apresentados resultados parciais, a partir da pesquisa bibliográfica, análise de dados secundários e análise documental.
Até março de 2015, segundo dados da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) do MDS, registraram-se 1.887.340 idosos e 2.273.515 pessoas com deficiência beneficiarias do BPC em todo o Brasil (BRASIL, 2015). Cabe salientar que existem, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE (2010), 45,6 milhões de pessoas (23,9% da população nacional), em diferentes faixas etárias e em processo de aumento de longevidade, que foram historicamente excluídas de vários processos sociais, havendo ainda pouca responsabilização pública e certa naturalização sobre a responsabilidade precípua da família e da sociedade civil para cuidar destas pessoas (ARAÚJO et all., 2014).
A estrutura do BPC está, por um lado, ancorado nos pressupostos basilares não-contributivos da Política de Assistência Social, a qual preconiza a universalização do acesso aos direitos sociais garantindo o atendimento as necessidades básicas independente de pretérita contribuição, com a gratuidade total de benefícios e serviços.
Por outro lado, é executado pelo INSS, órgão centrado na lógica contributiva, em que o acesso aos serviços está condicionado ao vínculo formal empregatício. Assim, a operacionalização e “concessão” do BPC é efetuada por uma instituição que tem seus sustentáculos na lógica sectária do seguro social.
O BPC para pessoa com deficiência se configura como política ímpar de proteção social voltada a pessoas em situação de pobreza, “incapazes” para o trabalho integrando a Proteção Social Básica, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A ideia de incapacidade associada a deficiência foi um artifício legislativo adotado em 1990 e, que, atualmente, dado os avanços conceituais sobre estes termos, gera uma série de dubiedades de entendimento sobre a focalização de quem pode ter acesso e ser beneficiário do BPC.
Gomes (2001) corrobora proficuamente ao pontuar que “os atos administrativos que tão-somente têm a atribuição de viabilizar a garantia formal assumem o papel de restringir o acesso” (p. 119). Com este entendimento, a execução do beneficio assistencial pode envolver uma dualidade operacional, que ora identifica-se com o princípio da universalidade e do direito assistencial para quem dela necessitar (BRASIL, 1993) e, ora privilegia as formas enraizadas dos procedimentos burocráticos “excessivos” do INSS, igualando, muitas das vezes, o BPC aos outros serviços da instituição, criando assim, um desconhecimento pelo requerente do BPC da sua situação de usuário da Política de Assistência Social. No rastro dessa percepção o paradoxo que se estabeleceu em torno BPC é plausível aprofundamento analítico sobre tais questões.