IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS: STREET-LEVEL BUREAUCRACY E INTERSETORIALIDADE NAS POLÍTICAS DE GÊNERO

Renata Porto Bugni

Resumo


Nas últimas décadas, com a modernização da atuação e do papel do Estado, o modelo weberiano e a dicotomia entre burocratas e políticos foram dando lugar a novos arranjos (LOTTA, 2012). Esse processo ficou conhecido como burocratização da política e/ou politização da burocracia. No Brasil, esse processo ganha força no período pós-Constituição de 1988, quando emergem propostas de modernização do papel dos governos, incluindo novas formas de interação entre Estado e sociedade civil, novos atores atuando como policymakers, novos destinatários de políticas públicas (FARAH, 2004), bem como novos rearranjos federalistas, aproximando o governo da população por meio dos governos municipais. A emergência dos novos problemas públicos e da crescente demanda por políticas públicas sociais tornam-se desafios às formulações e pesquisas da área de políticas públicas, que passam a incluir novos atores e a desenvolver novos modelos analíticos respondendo à complexificação dos processos.
    Dentre os deslocamentos ocorridos no campo de políticas públicas, pesquisas sobre o papel das burocracias, das agências e dos atores em interação no âmbito local ganham notoriedade, trazendo para o centro das análises outros momentos do ciclo das políticas públicas, tal caso dos estudos sobre implementação e processo de decisão na formulação de políticas (MARQUES e FARIA, 2013, p.23-24). Segundo Souza (2003), torna-se necessário avançar no desenvolvimento de tipologias analíticas, mas também nas análises sobre implementação não-centradas nos decisores, resgatando autores como Lipsky (1980), acerca do street-level bureaucracy, e adentrando na chamada análise bottom-up.
    Implementar significa executar algo, por exemplo um plano, i. e., levá-lo à prática por meio de providências concretas. A implementação pode ser examinada em termos do que acontece com os objetivos inicialmente programados e o que de fato aconteceu, tanto processualmente quanto em termos de resultados. Pressman e Wildavisky (1973) afirmaram que a implementação não é um processo “smooth and straightforward”, trata-se de processos limitados, rodeados de frustrações decorrentes das diferenças entre as aspirações iniciais do formulador e a realidade local e ações tomadas pelos implementadores. É uma equação entre a policy expectations e os resultados percebidos pela política.
    Por longo tempo na literatura, os motivos da diferença entre “initial objectives” e “final outputs” foram explicados como deficiências e incapacidades daqueles que implementam a política; a atenção estava voltada ao processo de controle sobre os implementadores com o intuito de diminuir tais “implementation gaps”. Os atuais estudos de implementação mudaram o foco, colaborando para encontrar uma conceitualização que refletisse melhor a evidência empírica da complexidade e da dinâmica da interação entre os atores envolvidos. Mais do que estudar como a implementação deve ser controlada, essa nova perspectiva trata de como estudar a implementação, quem são os atores, como e quem influencia o quê.
    Destarte, será a partir da complexificação do Estado, dos novos papeis e desafios que assume, e das novas políticas públicas que emergem sob responsabilidade do Estado, que a área de Políticas Públicas passa a destinar maior atenção aos desafios da implementação: Como, de fato, as ações são colocadas em prática? Neste trabalho, nosso objetivo é responder à seguinte questão: Quais os elementos necessários para essa análise? Para tanto, discutiremos teoricamente os fatores que têm sido considerados na literatura mais recente acerca do tema, em especial, com relação à street-level bureaucracy.
    Partiremos da análise de que a implementação não se trata de uma fase técnica e obediente que sucede a formulação política de determinado programa público, e que a literatura afirma que há discricionariedade exercida pelos burocratas no momento da implementação, isto é, que os atores importam para compreender o processo...
Entretanto, o que ocorre na prática transita entre uma adaptação ao contexto da implementação – nem sempre correspondente ao previsto e programado pela autoridade central - e os valores institucionais e pessoais de onde e de quem opera. Para compreender melhor esses fatores de influência, apresentaremos a análise dos fatores individuais e relacionais, e dos fatores institucionais e organizacionais (LOTTA, 2012), que constituem as características fundamentais e necessárias para análises de implementação dos burocratas de nível de rua.
    Além disso, nosso olhar está voltado aos maiores desafios da implementação que dizem respeito às novas políticas sociais – chamadas de não-tradicionais –, em especial as políticas públicas de gênero, que emergem nos anos 1980 com força e pressão popular e conquistam institucionalidade principalmente com a temática do combate à violência contra a mulher. Isso implica levar em consideração as novas dimensionalidades que políticas sociais como a de gênero querem ao Estado, e que demandam estruturas organizativas novas (COSTA, BRONZO, 2012), descortinando as conexões intrínsecas que a intersetorialidade e a transversalidade assumem nesse processo.  
    Tratando-se, portanto, das políticas sociais mais recentes que trazem à tona reflexões de problemas complexos, pergunta-se: a quais dimensões as políticas sociais (não tradicionais) devem se atentar para promover a implementação de programas intersetoriais?  O resultado dessa investigação nos levará a encontrar as respostas nas estratégias de gestão, sob a perspectiva institucional, e no âmbito dos gestores, acerca dos problemas e da atuação que os implementadores exercem na prática, perpassando pelos fatores que influenciam os burocratas de nível de rua nas decisões alocativas das políticas sociais.
    Nossa metodologia baseia-se na revisão da literatura recente e em uma análise preliminar acerca da Política e do Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência Contra a Mulher propostas pelo governo nacional, delimitando o escopo de um marco analítico para a análise da implementação de políticas sociais multidimensionais e complexas.

Apresentação
Última alteração
16/09/2015