Relações Intergovernamentais: estudo do marco normativo que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
Resumo
O Brasil está entre os 17 países megadiversos do mundo. Ocupar essa posição confere uma responsabilidade global maior em proteger seus recursos naturais, pois seu patrimônio é vital para o planeta (CONSERVAÇÃO INTERNACIONAL, 2015; ICMBio, 2013). Simões (2008) acredita que uma saída para a preservação da diversidade biológica é a conservação in situ, por meio da criação de Unidades de Consevação (UCs).
Para alcançar uma conservação efetiva é necessário que as UCs sejam criadas em locais apropriados com implementação e gestão adequadas às necessidades locais. O primeiro passo é atentar para a legislação que regulamenta essa temática, observando as diretrizes da lei e mecanismos acerca da gestão das unidades. Em países como o Brasil, organizados nos moldes do federalismo, devem-se observar outras prerrogativas importantes em suas leis, as relações intergovernamentais (RIG).
Neves (2012, p. 146) reconhece que na área de política ambiental a exigência para a cooperação intergovernamental é necessária, e ressalta que “mais que um estilo de política ou uma alternativa para superação da escassez de recursos, a cooperação intergovernamental é uma condição sine qua non para a viabilização de ações de defesa ambiental”.
Há diversos temas nas políticas ambientais que envolvem as esferas federal, estadual e municipal, dentre eles, a questão das UCs, regulamentado pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) ou Lei 9.985/00. O SNUC é composto pelo conjunto das unidades de conservação federais, estaduais e municipais.
É possível observar a relevância de compreender como está disposta a lei, quais atividades e interações que ela propõe para uma efetiva implementação e gerenciamento de uma UC. A efetividade nos dois últimos aspectos citados garante que uma unidade de conservação está funcionando bem, e, por conseguinte, a biodiversidade está conservada. Um bom recurso para compreender uma política pública é o aporte teórico fornecido pelos estudos sobre RIGs, principalmente, como visto, quando a política é estabelecida em uma federação e aborda aspectos sobre o meio ambiente. Desse modo, o presente estudo tem o objetivo de compreender como estão dispostas as relações intergovernamentais no marco normativo que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Foram estabelecidas as seguintes perguntas para nortear o estudo: compreender como estão dispostas as atribuições de cada unidade de governo e atores da sociedade no marco normativo do SNUC; identificar de que modo está estabelecida a interação entre os entes governamentais; refletir se a maneira como estão dispostas as relações intergovernamentais pode afetar a efetividade da lei.
Willian Anderson descreve as RIGs como um importante corpo de atividades ou interações que ocorrem entre unidades governamentais de todos os tipos e níveis dentro do sistema federal (WRIGHT, 1974). Aprofundando sobre a temática, Wright (1978) definiu cinco características típicas das relações intergovernamentais: 1) o número e os tipos de unidades governamentais; 2) o número e a variedade de autoridades governamentais envolvidas (políticos e burocratas); 3) a frequência e a regularidade dos contatos entre as autoridades governamentais; 4) a importância das ações e atitudes das autoridades governamentais; 5) a preocupação com questões relacionadas ao financiamento das políticas públicas. Identificar e analisar essas características possibilita uma melhor compreensão de um sistema político, e, portanto, de uma política pública.
Além das características típicas, Wright (1988) também sugeriu as formas de interação entre os governos, organizadas em três modelos: Autoridade Independente, Autoridade Inclusiva e Autoridade Interdependente. O autor revela que os modelos são simplificações da realidade, mas servem como hipótese para ajudar a identificar como estão estabelecidas as RIGs (WRIGHT, 1988).
Foi utilizada uma abordagem qualitativa do tipo descritiva, com explicação dedutiva. O primeiro passo foi a pesquisa bibliográfica e posteriormente foram utilizados os seguintes textos para análise: o marco normativo que regulamenta a Lei nº 9985/00; e os Decretos nº 4.340 de 2002 e nº 6.848 de 2009. A análise dos dados foi realizada utilizando mecanismos de codificação, proposto por Saldaña (2009), a partir da categorização do conteúdo. Foram adotadas as seguintes categorias, construídas com base na literatura sobre RIGs: atores; unidades governamentais; financiamento; modelo de RIG.
A partir das análises, foi possível perceber na lei e nos decretos estudados trechos que revelam aspectos sobre as relações intergovernamentais. Isso ocorre, pois a política pública foi criada e implementada no Brasil, uma federação com três entes governamentais.
Sobre as atribuições de cada unidade de governo no marco normativo do SNUC, observou-se que pouca clareza na definição das reponsabilidades de cada ente. Por não apresentar as responsabilidades das unidades separadamente se assemelhou mais a metáfora bolo de mármore de Grodzins (1966). Observou-se também, a partir do levantamento bibliográfico que as interações entre os órgãos representantes das unidades de governo acontecem majoritariamente em situações de conflito, se assemelhando com a cooperação antagônica definida por Grodzins(1966).
Sobre os atores, identificou-se a presença de diversos deles, e muitos possuem suas responsabilidades descritas na lei, e se executadas as possibilidades de atuação como descrito na lei, configura-se como um mecanismo de gestão participativa.
Referente à interação entre os entes governamentais, o modelo de autoridade interdependente caracteriza as relações intergovernamentais na legislação estudada.
Pode-se concluir a partir do estudo realizado, que melhorias no marco normativo estudado precisam ser realizadas, principalmente em tais aspectos: clareza ao definir as responsabilidades de todos os entes governamentais, especificando as responsabilidades dos entes nos momentos de interação; sugestões de um mínimo de periodicidade de encontros entre os atores participantes, pois como são previstos diversos atores, se não esclarecer maiores diretrizes sobre como será a participação, dificulta o processo de da gestão participativa, que não é fácil; e estabelecer uma fonte de renda fixa para todas as unidades, de modo que os gestores tenham um mínimo de recurso para não deixar a unidade completamente abandonada ou com diversos problemas que afetem sua efetividade. A melhoria desses aspectos pode contribuir para que as relações intergovernamentais sejam mais bem estabelecidas, e, consequentemente, ter uma política mais efetiva.