Vozes da Periferia
Resumo
O modelo de desenvolvimento pautado estritamente no crescimento econômico vem sendo amplamente questionado nas últimas três décadas, sobretudo, após as experiências neoliberais dominantes a partir dos anos 1990. De um modo geral, essa crítica integra profundamente as esferas econômica, ambiental e sociocultural. Na esfera econômica, salienta-se que, ao invés da esperada redução das desigualdades e pobreza, houve maior concentração do poder econômico e crescimento da exclusão social. A esfera ambiental remete ao esgotamento de recursos naturais não-renováveis e à degradação ambiental resultantes da super-exploração e da poluição causada pelas atividades industriais. A esfera sociocultural refere-se ao fato de tal concepção de desenvolvimento pressupor e impor modos de vida pouco atentos aos anseios das pessoas e aspectos socioculturais, como da noção de desenvolvimento provém de outras linhas de pensamento, identificadas genericamente como pós-desenvolvimentistas, que questionam a centralidade da economia como princípio organizador da vida social. Nesse sentido, autores como Arturo Escobar (2005) atentam para a necessidade de se ‘revalorizar’ as culturas, isto é, os conhecimentos e as práticas locais, as vozes e as preocupações daqueles que devem se beneficiar diretamente do desenvolvimento. Trata-se de articulá-los aos conhecimentos tecnocientíficos, criando diferentes discursos e representações, novas práticas de saber e fazer que definem o desenvolvimento, com o intuito de “construir mundos mais humanos”, cultural e ecologicamente sustentáveis.
Nesta perspectiva, são diversos grupos e experiências localizados em regiões periféricas os que principalmente têm sido ameaçados pelo fato de desconhecerem as regras impostas pelas organizações estabelecidas pela economia global. Trata-se de grupos, populações ou experiências que sempre estiveram na periferia do desenvolvimento econômico, como concebido até então. Mais recentemente, porém, com o advento de novas noções de desenvolvimento, mais atentas a questões ambientais e socioculturais, elas se deslocaram para o centro das discussões e experiências em curso. Passaram a se relacionar diretamente com atores da economia mundial, instituições governamentais e não governamentais, pesquisadores, conservacionistas e militantes políticos, entre outros.
A presente mesa aqui proposta na sessão livre desse primeiro encontro das públicas, a partir de cinco painéis ilustrativos, apresentados cada um dentro de 20 minutos, almeja dar voz e fazer audível algumas vozes das periferias que vem sendo solfejadas por atores e instituições localizadas em regiões periféricas do nosso país. Não temos aqui a pretensão de buscar nessa mesa a completude das vozes das periferias, como diria Kingsnorth (2006), muitos são os sins para o não único da globalização hegemônica. Nesse sentido, buscamos, tão somente, a título de ilustração, dar azo a um debate em que a ação pública de atores e instituições se conformam em um novo quadro de articulação entre a tríade, Estado, desenvolvimento e sociedade. No que converge e diverge esses novos arranjos de construção do desenvolvimento em prol de um bem comum pautado em sustentabilidade? Eis, aqui, um grande quadro em branco a ser sistematizado e teorizado.
A primeira apresentação trará a experiência da comunidade quilombola do Campinho da Independência, em Paraty (RJ) considerando ações de desenvolvimento local visando a melhoria na qualidade de vida desse grupo.
Em seguida, haverá a explanação do caso do Curso de Gestão da Salvaguarda Compartilhada de Terreiros, uma experiência social que vem sendo conduzida pela universidade Federal da Bahia em resposta as demandas de um Grupo de Trabalho composto pelas Comunidades Tradicionais de Terreiro reconhecidas como Patrimônio Histórico Nacional, mas ainda pouco reconhecidas e salvaguardadas pela instituição nacional responsável por zelar pela narrativa nacional, qual seja, o IPHAN.
Como terceiro caso, será realizada a análise do conflito socioambiental entre a Marinha do Brasil e as comunidades tradicionais quilombolas em torno do uso e apropriação dos territórios, com destaque para o caso do Quilombo Urbano do Alto do Tororó, localizado no Subúrbio Ferroviário Soteropolitano, que atualmente, através de estratégias de resistência coletivas, tem lutado pelo direito de permanecer em suas terras e manter os seus fazeres e práticas tradicionais.
O quarto debatedor abordará o caso das redes de entretenimento articuladas em torno dos bailes dançantes localizados nas periferias de algumas capitais do Brasil, tais como, o funk no Rio de Janeiro, o Tecno Brega em Belém do Pará e o pagode na Bahia.
Por fim, a mesa contará com o relato da experiência do projeto Fala Maria que é de Lei colocando em destaque as percepções das vítimas de violência sobre a implantação da Lei Maria da Penha na comarca de Salvador.