Análise de políticas públicas no Brasil: um panorama das perspectivas racionalista e argumentativa

Leonardo Secchi

Resumo


O objetivo deste ensaio é apresentar um panorama do campo teórico e da prática de análise de políticas públicas no Brasil. O artigo discute as perspectivas racionalista (positivista) e argumentativa (pós-positivista) de análise prescritiva para política pública. Para efeitos de delimitação, considera-se análise de política pública como atividade de pesquisa aplicada, multidisciplinar, normativa e orientada para a recomendação de soluções a problemas públicos concretos (Lasswell, 1951). Ao longo do texto é retratado o desenvolvimento e uso prático da análise de política pública desde os anos 1930 até os dias atuais, nos âmbitos federal, estadual e municipal, nos poderes executivo e legislativo, e em think tanks, com exemplos de sua utilização em vários setores/áreas de política pública. A prática da análise racionalista de política pública, que utiliza ferramentas de análise custo-benefício, análise custo-efetividade, análise estatística e outros métodos quantitativos, foi encontrada principalmente em áreas técnicas do poder executivo no nível federal (Banco Central, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, IPEA etc), e em menor grau nos poderes legislativo nacional e nas agências estaduais e municipais. Por outro lado, a prática de análise argumentativa de política pública com processos participativos se desenvolveu fortemente a partir de 1988 com instrumentos como os Conselhos Gestores, Conferências Nacionais, Orçamento Participativo e elaboração participativa de Planos Diretores, tornando-se uma prática comum de recomendação à decisão de política pública do poder executivo nos três níveis de governo. A institucionalização do campo também é debatida no que toca o estabelecimento de associações acadêmicas, seus congressos, revistas científicas e educação de pós-graduação em análise de política pública.  Apesar de não existir nenhuma associação acadêmico-profissional específica de análise de política pública, existem hoje no Brasil pelo menos sete sociedades científicas ligadas às áreas de ciências econômicas, administração, ciências sociais, planejamento urbano, ciências políticas, administração pública e o campo de públicas. As revistas científicas na área publicam principalmente artigos de caráter teórico de pesquisa de política pública (policy research), enquanto que não foi identificado nenhum canal dedicado à publicação continuada de análise prescritiva de política pública. Também foram analisados 15 programas de pós-gradução na área (ou próximos à área) de política pública e foi identificado que oito deles não oferecem disciplina de “análise de política pública”, sendo que os sete programas que oferecem esta disciplina dão conotação variada a sua ementa, variando desde teoria geral de política pública, direito administrativo, orçamento público e métodos de pesquisa em ciências sociais. Dentro da comunidade epistêmica brasileira da área, o termo “análise de política pública” recebe conotação mais próximo à pesquisa teórica de política pública, ou policy research, praticamente descartando o sentido prescritivo de instrumentalização decisória já consolidado internacionalmente na área de “policy analysis”. As conclusões do ensaio indicam que: a) o campo acadêmico é carente de institucionalização no Brasil e o próprio termo “análise de política pública” (policy analysis) é majoritariamente utilizado no sentido de pesquisa em política pública voltada à construção teórica; b) a análise racionalista de política pública é principalmente usada em alguns “bolsões de modernidade” no nível federal de governo; e c) o Brasil tem uma ampla e rica experimentação de ferramentas de análise de política pública de estilo argumentativo/participativo em todos os níveis do poder executivo. Algumas indicações para o avanço do campo teórico-metodológico de análise de política pública são apontados e envolvem a ampliação conceitual de “análise de política pública” para incluir trabalhos orientados à solução de problemas públicos concretos; a integração das comunidades epistêmicas setoriais interessadas em análise prescritiva de política pública; a ampliação da utilização de ferramental analítico quantitativo de análise racionalista de política pública em todos os níveis e esfera de governo; e o reconhecimento do rico ferramental nacional de participação cidadã dentro do domínio da análise argumentativa de política pública. Se, por um lado, o Brasil precisa avançar muito em teoria e prática no que tange a técnicas racionalistas de análise de política pública, por outro lado, o Brasil já é referência em mecanismos participativos, argumentativos e deliberativos estudados pela literatura internacional de “argumentative policy analysis”.

Apresentação
Última alteração
16/09/2015