A Participação Comunitária na Estratégia Saúde da Família: Uma Revisão Integrativa

Maria Elisabeth Kleba, Luciana Hendges

Resumo


Introdução – aspectos teóricos, objetivo

Toda a população brasileira depende, em graus variados, dos cuidados de saúde disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de seus programas, que estabelece como porta de entrada prioritária a Atenção Primária à Saúde (APS). Reconhecido como conquista social, é a partir da Constituição Federal de 1988 que se inicia o processo de estruturação e implementação do SUS, promulgado na Lei no 8.080/90 e regulamentado pelo Decreto no 7.508/2011. Ainda em 1990, a Lei Complementar no 8.142/90 institui a participação da comunidade para o controle social na gestão do Sistema e prevê suas formas de implementação, consolidando uma das diretrizes previstas pela Constituição brasileira para o Sistema de Saúde, a qual tem sido reiterada na maioria dos documentos nacionais da área da seguridade social, mais fortemente na saúde.

Com este foco, em 1994 o Ministério da Saúde lança o Programa Saúde da Família como tentativa de reorientar o modelo de atenção à saúde com foco na promoção e proteção da saúde, sem desconsiderar a questão do tratamento curativo. Nessa nova orientação, as equipes de saúde da família possuem entre suas atribuições promover a participação da comunidade na saúde sob quatro dimensões distintas e complementares, as quais elegemos como foco principal deste estudo. Assim, elegemos como objetivo principal levantar o conhecimento científico produzido sobre a participação comunitária no contexto da estratégia saúde da família (ESF) no período de 2002 a 2011, considerando-se as quatro dimensões da participação definidas no Artigo V da Política Nacional de Atenção Básica – Portaria MS 2.488 de 2011, a saber:

(1) estimular a participação dos usuários como forma de ampliar sua autonomia e capacidade na construção do cuidado à sua saúde e das pessoas e coletividades do território, (2) no enfrentamento dos determinantes e condicionantes da saúde, (3) na organização e orientação dos serviços de saúde a partir de lógicas mais centradas no usuário e (4) no exercício do controle social (BRASIL, 2011, sn).

A participação da comunidade representa um grande desafio não só para a gestão pública nos processos de democratização da gestão social no processo decisório, mas também para os trabalhadores no momento de efetivar a participação enquanto componente da humanização. Na saúde, a humanização do cuidado requer maior vínculo e integração dos profissionais e usuários, de forma que se percebam parceiros na construção coletiva da qualidade de vida, no reconhecimento e na atuação sobre os determinantes e condicionantes da saúde com vistas a melhoria das condições de vida. Por diversas vezes os usuários são percebidos pelos profissionais de forma restrita, como “demanda”, o que promove barreiras em sua relação, gerando estressores em seu ambiente de trabalho.

 

Metodologia:

Neste estudo, elegemos como método a revisão integrativa através da busca textual em três bases de dados virtuais, realizada de novembro a dezembro de 2012: Google Acadêmico, Portal de Periódicos da Capes e Bireme/BVS. Escolhemos os estudos a partir dos seguintes critérios de inclusão (1) trabalhos publicados como artigo científico, desde que seja resultado de pesquisa empírica ou relato de experiência; (2) ter sido publicado no período de janeiro de 2002 a dezembro 2011; (3) contemplar o foco do estudo enquanto objetivo do trabalho; (4) estar em idiomas acessíveis a pesquisadora (português, inglês ou espanhol) e (5) estar acessível online na forma completa e, em caso de ter apenas o resumo, ser disponibilizado pelo(s) autor(es) quando solicitado, em tempo hábil para a finalização do estudo no prazo previsto. Considerando ainda os critérios de exclusão (1) trabalhos disponibilizados em formatos diferentes do que o previsto, tais como livros, teses, dissertações, monografias, revisões, editorial, folder e (2) estudos duplicados (os quais foram considerados apenas uma vez). Utilizamos os descritores/termos “participação da comunidade” and “saúde da família” e obtivemos 174 estudos, após aplicação dos critérios resultou em 22 artigos para base de análise.

A organização destes dados se deu por meio do programa Excel, sendo identificadas, entre outras, as seguintes variáveis: ano, periódico, autores, título, tipo de artigo, objetivo do estudo, sujeitos envolvidos, estratégia de obtenção dos dados, síntese temática/principais conclusões e quais os resultados apresentados. Os resultados dos estudos foram analisados por meio da categorização temática de conteúdo proposta por Minayo (2012) sendo consideradas categorias aglutinadoras as quatro dimensões da participação consideradas em nosso estudo. É importante explicitar que a análise considerou os resultados evidenciados nos estudos e não o debate construído a partir da opinião dos autores ou dos referenciais por eles utilizados.

 

Resultados e discussão:

 

Caracterização dos estudos:

Dos estudos analisados, todos são de origem brasileira, mesmo que alguns tenham sido publicados em língua estrangeira, o que pode ser justificado pelo fato de que a Estratégia Saúde da Família é uma iniciativa no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.

Dos 21 artigos encontrados, 19 são do tipo pesquisa empírica e 02 relatos de experiências; 18 utilizaram abordagem qualitativa e 03 quanti-qualitativa (mista). Observa-se que os relatos de experiências são em número reduzido quiçá pela restrição das revistas qualificadas em sua publicação.

Com relação aos autores, observou-se maior concentração no gênero feminino representando 82% da amostra e 70% possuem formação na área da enfermagem, o que poderia apontar para um maior envolvimento da enfermagem com a promoção da participação da comunidade na saúde, ou ainda maior interesse em estudar e publicar sobre essa temática. A maior parte dos autores tem vínculo docente com graduação, mestrado e/ou doutorado, o que constitui indicativo da problemática já discutida em diversos âmbitos sobre a dificuldade dos profissionais que atuam nos serviços em publicar estudos. Considerando que são estes últimos que vivenciam a rotina assistencial e que certamente enfrentam em seu cotidiano dúvidas que requerem soluções criativas, artigos que relatassem experiências já vivenciadas por outras equipes poderiam trazer contribuições mais significativas à reorientação das práticas. Compreendemos que uma maior abertura das revistas qualificadas à publicação de relatos de experiências oportuniza a troca de saberes, gerando o reconhecimento de iniciativas e o fomento de práticas inovadoras entre os profissionais do SUS, bem como maior capacitação/estímulo destes profissionais para redação e publicação de suas próprias experiências no formato de trabalhos científicos.

 

A participação comunitária na estratégia saúde da família:

Com relação às temáticas identificadas, as dimensões 1, 2 e 4 aparecem em 14 estudos enquanto a dimensão 3 aparece em 17. Mais especificamente, as dimensões estão presentes de forma associada ou isolada conforme o gráfico abaixo:

 

 

 

(Fig. V Quantidade X Dimensões Associadas ou Isoladas)

 

De maneira geral, os estudos analisados apontam a necessidade de que as equipes de saúde da família respeitem a cultura da comunidade, valorizando o saber popular e estabeleçam parcerias com os grupos de apoio comunitário existentes no território para promover a participação da comunidade em todo o processo de construção da saúde local, orientados no modelo do processo de determinação social da doença, no enfrentamento dos determinantes e condicionantes e desenvolvendo ações de promoção da saúde.

            Apresentam ainda o conflito existente entre a filosofia da ESF, enquanto modelo de reorientação das ações de saúde, e a permanência do modelo biomédico tanto pelo desconhecimento dos usuários, como pela conduta dos profissionais ainda impregnados no modelo anterior. Neste sentido, o motivo que leva o usuário à unidade de saúde geralmente é a busca por tratamento de doença em detrimento das ações de promoção da saúde, nas quais ocorrem pouca adesão e que as queixas mais frequentes são relacionadas à falta de vaga para consulta médica, exames de alto custo e especialidades. Ao mesmo tempo, os profissionais queixam-se da pouca adesão aos grupos de educação em saúde oferecidos pela equipe. No entanto, um dos motivos para a não adesão aos grupos propostos pela USF pode ser justamente a dificuldade de diálogo com a comunidade e a ausência dos usuários na definição das atividades, além da orientação dos profissionais pela educação em saúde baseada no modelo autoritário de passagem de informações o qual exclui os usuários, não valorizando os diversos saberes, ou seja, pela inexistência de diálogo serviço-comunidade.

            Nos estudos analisados ocorre maior número de observações sobre as ineficiências da prática assistencial, que desconsidera a participação dos usuários e a necessidade urgente de se reorganizar e reorientar os serviços a partir de lógicas mais centradas no usuário, apenas em um relato de experiência ocorre a inserção da comunidade de forma efetiva no planejamento da equipe de saúde da família. Como alternativa à promoção da participação da comunidade, os estudos apontam a existência dos conselhos enquanto espaços de promoção da cidadania, as dificuldades de organização destes e que quando a comunidade não ocupa esses espaços reivindicando seus direitos e colaborando com as equipes sobre suas necessidades e prioridades, ocorre a orientação dos serviços a partir dos interesses dos gestores e não da realidade dos usuários. Refletem sobre a necessidade de compreensão que o conselho representa também um espaço de conflito já que relações de poder estão envolvidas e que é necessário o diálogo para chegar a um consenso.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Portaria no 2.488 de 21 de outubro de 2011. Política Nacional de Atenção Básica. Disponível em < moodle.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=44545 >. Acesso em 03 nov. 2011.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, Mar. 2012.


Apresentação
Última alteração
15/04/2013